Fósseis do Sertão do Araripe e Cariri encontrados em prédios do Recife
Rochas com fósseis de peixes datariam do Cretáceo, há 110 milhões de anos. Caso pode ser investigado pela Polìcia Federal
Não é mais preciso visitar a Chapada do Araripe para desfrutar de seu patrimônio paleontológico, mas as razões pelas quais o recifense pode desfrutar do privilégio, no entanto, além de não serem nada louváveis, podem virar caso de polícia. Fotografias feitas pelo diretor do Instituto Baobá, Alberto Campos, mostram o que seriam fósseis expostos em muros de prédios na Zona Norte do Recife e repercutiram nas redes sociais. As rochas são denominadas de Formação Crato, e comercialmente conhecidas como “pedras cariri”. Especialistas acreditam que elas foram retiradas das regiões do Araripe e do Cariri, que compreendem partes dos estados de Pernambuco, Ceará e Piauí e possuem um riquíssimo registro da vida no planeta.
O paleontólogo Rudah Duque confirma que o que aparece nas imagens realmente são fósseis. “Esses peixes são da espécie Dastilbe e vêm da Chapada do Araripe. Você percebe que são originais por causa da cor típica da Pedra Cariri, que varia entre amarelo e marrom. Além dos esqueletos conservados, alguns peixes, ainda apresentam cabeça, corpo e cauda”, assegura o mestrando pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A pesquisadora da mesma instituição Alcina Barreto, informa que as rochas do Araripe datam do Período Cretáceo Inferior, há cerca de 110 milhões de anos. “O fóssil é considerado patrimônio da União, graças a uma lei de 1942. Então, independentemente de onde ele esteja, não pode ser utilizado para construções. Apesar disso, é muito comum encontrar essas formações em prédios de todo o Nordeste. Já participei de alguns encontros no Cariri que envolveram os Ministérios Público e Federal para combater a extração, mas que nunca resultaram em algo relevante”, lamenta.
Segundo ela, a utilização na construção civil inclui espécimes ainda mais raros do que os peixes que aparecem nas fotos. “O esqueleto de um inseto ou de uma planta, por exemplo, é ainda mais difícil de encontrar. Isso é memória paleobiológica da história na vida na terra. Muitas dessas espécies extraídas do Geopark Araripe, uma referência no mundo, ainda nem são conhecidas pela ciência”, comenta.
Autor das fotos, o veterinário Alberto Campos relata que em um passeio de cinco minutos pelo bairro das Graças e arredores encontrou fósseis em cinco imóveis. “Imagina no Recife inteiro? E em todas as cidades do Nordeste? Estão acabando com o Araripe. É preciso proibir a venda e a extração de fósseis naquela região”, conclui. Além dos peixes das fotografias, garante já ter encontrado fósseis ainda mais raros: “Já vi galhos de vegetais e até camarões”.
O coordenador científico do Geopark Araripe e professor de paleontologia da Universidade Regional do Cariri (URCA), Álamo Saraiva, coloca que existem 92 frentes de exploração de calcário na região e afirma que a representação do Crato do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), de responsabilidade do Ministério de Minas e Energia, encarregado de fiscalizar a área, não atende à obrigatoriedade da presença de um paleontólogo durante as extrações. “O interesse em fiscalizar fósseis não é tão grande quanto o interesse em ouro, ferro e bauxita, porque não possui retorno financeiro direto. Se cada formação geológica do mundo tem uma palavra contando a história da vida no planeta, digo que a bacia do Araripe tem, pelo menos, um capítulo inteiro. Somos diferenciados e requeremos atenção de verdade, porque estamos perdendo um patrimônio ao qual países mais pobres nunca terão acesso”, coloca.
Falta de fiscalização inspira impunidade
A Bacia do Araripe, que compreende cidades pernambucanas como Ipubi e Araripina, são de responsabilidade da sucursal do Crato, no Ceará, do DNPM, bem como as regiões do Ceará e Piauí em que se verifica o problema. A administração do órgão, no entanto, admitiu contar com apenas dois fiscais – um paleontólogo e um geólogo – para cobrir uma área de aproximadamente 10 mil metros quadrados. “Já fechamos algumas pedreiras ilegais, mas seria humanamente impossível estar presente em todos esses locais. Quando é preciso, chamamos profissionais de outras localidades para ajudar nas fiscalizações”, diz o administrador do órgão no Cariri, Artur Andrade. Ele explica que a orientação dada às pedreiras é a de que fósseis vistos a olho nu não sejam retirados. “Apesar disso, alguns funcionários dessas empresas retiram pedras que não poderiam para vender irregularmente e contam com a conivência de parte da população e até de que alguns pesquisadores para isso”.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional a Promotorias Ambientais (Caop) e promotor de meio ambiente, André Barbosa de Menezes, esclarece que nem todo fóssil encontrado na construção civil pode ser considerado ilegal. Caso a DNPM tenha liberado o material, ele não pode ser considerado irregular. “Se esse problema de administração do órgão existe, é uma falha federal e cabe investigação do Ministério Público Federal, até porque fósseis são um patrimônio da União”.
O promotor orienta ainda que quem encontrar um fóssil em algum prédio, casa ou qualquer outro estabelecimento comercial deve acionar o DNPM: “é o mesmo procedimento de você estar na praia, escavando com os filhos e encontrar um tesouro. Tudo que está no subsolo é patrimônio da União Federal. A orientação técnica é a de não tocar nos fósseis. Caso a instituição responsável conclua que as rochas são oriundas de extração ilegal, sua aplicação consiste, sim, em crime”.
A Polícia Federal de Pernambuco comunicou que tomou conhecimento do caso informalmente, sem que houvesse denúncia formal e está analisando todas as circunstâncias para, caso seja constatada alguma irregularidade, tomar as providências cabíveis. Agentes trocaram informações com a Polícia Federal do Ceará e, após averiguação do conteúdo das denúncias, deverão definir se será ou não instaurado inquérito para investigar o caso.
Marília Parente
Repórter
Marília é estudante de jornalismo pela UFPE. Escreve para o Diario desde 2014, na maior parte do tempo para a editoria Vrum. Integra a equipe de dados do jornal, no CuriosaMente, desde janeiro de 2016. É apaixonada pelo sertão, por história e tem uma aversão natural a grandes prédios – imagine o que foi fazer esta reportagem…