Em corrida, taxista que perdeu mão “ganha” prótese de passageiro médico

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Evandro dos Santos havia sofrido acidente com espingarda, mas continuou dirigindo, até encontrar o passageiro que mudaria sua vida

Para o taxista Evandro, aquela corrida numa tarde de março de 2015 era mais uma. E o passageiro era apenas outro médico vindo da Clínica de Fraturas, próxima ao ponto do Bompreço do Parque Amorim, onde trabalha. O destino do ortopedista André Porto seria um almoço com companheiros de profissão no Caxangá Golf Club. Entrou no veículo, sentou ao lado do motoristae não demorou a perceber: com a mão esquerda, o taxista passava marcha e conduzia o volante. O diálogo seguinte era rotina diária e começava com um “em agosto de 2014, perdi a mão direita em um acidente manuseando uma espingarda soca-soca”…

André ouviu atento. Deu dicas de proteção do braço e na saída, perguntou se o taxista poderia retornar às 14h30 para buscá-lo. Na hora marcada, Evandro estava lá. O ortopedista entrou no carro e, nas mãos, mostrava a documentação e encaminhamento a um fisioterapeuta do Imip, Tiago Bessa, que lhe providenciaria uma prótese. “Ele ficou na expectativa. Acho que ainda não tinha ideia do que seria”, relembra Porto, que aproveitou o almoço para conversar com colegas médicos sobre o profissional cuja situação difícil não lhe tirava o sorriso do rosto.

Evandro foi pra casa pensando no que o destino (para alguns) ou Deus (para outros) havia colocado em seu caminho. Ao nascer do sol, estava de pé. Seguiu ao Imip numa expectativa que só viveu durante as operações da Rádio Patrulha. “Cheguei lá, tirei o molde e, oito meses depois, já estava com a prótese”, lembra, dizendo que todo o processo foi feito sem dizer a familiares ou amigos.

“Existe um programa do SUS que promove a colocação de próteses para pessoas que perderam membros”, explica Bessa. As próteses são confeccionadas no Recife e custariam R$ 4 mil ou R$ 5 mil, mas saíram de graça.

Paulo Paiva/DP
Paulo Paiva/DP

Ao lado do táxi, Evandro, com olhos marejados, exibe uma prótese que só se mostra clara com um olhar atento. O objeto de silicone simula veias, ossos, detalhes de dedos e unhas, quase como um membro real. “A gente se acostuma a ajudar as pessoas que, durante o nosso trabalho, já vem em busca de ajuda. Nesse caso, pude de alguma forma levar a ajuda em direção a ele”, conta o ortopedista. Evandro e André não se falavam desde o dia da corrida. Após contato do Diario, o ortopedista ligou para taxista para a primeira conversa desde que um mudou a vida do outro. “Fiquei muito orgulhoso de ouvir ele falando feliz, satisfeito… Marcamos para que ele passe na clínica”, relata. Evandro nunca deixou de conduzir o táxi. “Eu dizia aos clientes que se eles estivessem incomodados, pararia o carro e chamava outro táxi, mas nunca tive esse problema”.

A profissão de taxista encontrava espaço nas folgas de Evandro como policial militar, que o fez acostumar-se a manusear armas por 29 anos – e aí é que reside outra ironia de sua história. Atual sargento da Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente, tinha a espingarda ao lado de um chapéu de cangaceiro decorando sua parede como lembrança do Sertão. Nove anos com ela em casa e não sabia que estava carregada. “Sem querer, disparei. Não sobrou nada da minha mão direita. Parecia estava segurando uma granada”, relembra com a firmeza de quem contou a história centenas de vezes.

Meses depois, voltou às ruas, temendo a rejeição de clientes. “Eles diziam que eu dirigia melhor com uma mão do que eles com duas”, brinca. Quando lembra do dia em que colocou a prótese, Evandro trava. Olha pro lado, para cima, respira… “Liguei para minha mulher. Disse a ela pra ir abrindo o portão porque ficaria ruim de abrir com as duas mãos. Ela ficou sem entender nada”, sorri. Os limites que restaram, tira de letra: conta não conseguir cortar frutas, descascar uma laranja ou usar talher.

A mão de força sempre foi a esquerda. Com a direita, escrevia. “Já escrevo meu nome e tenho aprendido aos poucos a escrever com a esquerda”. O sorriso, garante, não saiu do rosto por nenhum momento, mesmo após o episódio que, para muitos, seria uma tragédia. “Muita gente me perguntava como eu continuava sorrindo e eu dizia que perdi a mão, não tinha perdido a vida. Eu nunca vou baixar minha cabeça por isso”. Agora de “mão nova”, vai contar aos clientes sobre aquela corrida de um início de tarde de março de 2015.

“Muita gente me perguntava como eu continuava sorrindo e eu dizia que perdi a mão, não tinha perdido a vida. Eu nunca vou baixar minha cabeça por isso”

Paulo Paiva/DP
João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estudante de jornalismo da UFPE. Estagiário do Diario desde 2014, escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados, no CuriosaMente.

Paulo Paiva

Paulo Paiva

Fotógrafo

Paulo é fotógrafo do Diario desde 2013. Se dedica a pautas de Direitos Humanos, Cidades e Esportes.