A desmistificação do gourmet: a mediação entre valor e qualidade dentro da confeitaria

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Na escolha entre ingredientes nobres e baixo custo de investimento, o resultado final deve ser pesado na balança para ver se pode se encaixar na confeitaria gourmet

A confeitaria tradicional como a conhecemos está em fase de transição devido a nova sensação do mercado, da qual você já deve ter ouvido falar: a onda da gourmetização. O termo define pratos executados de acordo com a alta cozinha – haute cuisine, do francês – que atribui alto apelo visual, chegando a ser considerado artístico, combinado de uma explosão de sabores. Porém, com o surgimento do raio gourmetizador, qual o divisor de águas entre a confeitaria tradicional e a fina?

Para um produto ser considerado gourmet é necessário que o doce seja feito com os melhores ingredientes do mercado, além de possuir baixo teor de gordura e açúcar. Aquele brigadeiro tradicional de festa, feito com leite condensado, manteiga e achocolatado abriu espaço para um novo tipo de brigadeiro, que de igual, só leva o nome. O brigadeiro gourmet, ao contrário do apresentado anteriormente, é feito com leite condensado, creme de leite e chocolate nobre em barra, que chega a custar R$ 110 por quilo. O trabalho do chocolate nobre neste caso, é substituir a grande quantidade de açúcar dos achocolatados, que fazem com que o brigadeiro fique duro com o passar do tempo. Já o creme de leite, substitui a gordura da manteiga, trazendo um sabor mais suave e textura macia para o doce.

No Recife, a confeitaria gourmet ganhou força entre os anos de 2010 e 2011, depois de um boom em São Paulo e no Rio de Janeiro. Porém, a explosão do termo foi popularizado a partir de 2014, junto à necessidade dos brasileiros de encontrar uma nova maneira de ganhar dinheiro, com o início da mais recente crise econômica no país.

De acordo com  a professora do curso de gastronomia da Faculdade dos Guararapes Maria França por ser uma profissão com
baixo investimento, os doces continuam sendo a procura número um para uma renda extra. “O brasileiro precisou encontrar uma forma alternativa de ganhar dinheiro. Produzir doces como brigadeiros e tortas não necessita de tanto investimento, principalmente por ser produzido na cozinha de casa, muitas vezes com materiais que já se tem nos armários. Assim, apenas criar novos sabores de produtos tradicionais se tornou a nova febre dentro do mercado confeiteiro: a gourmetização”, comenta.

Não pela crise, mas por amor, em 2014 Marcela Soares, 35, formada em educação física, começou a fazer brigadeiros gourmet e quando seus produtos ganharam fama, ela decidiu investir em naked cakes – bolos sem cobertura que ficam com parte da massa e recheio expostos. Assim, deu início a tendência de hoje das “gotinhas perfeitas”, uma espécie de excesso de cobertura que escorre nas laterais do bolo, mas em proporção controlada para um efeito visual perfeito. Marcela viu que a ligação com o nome gourmet chama atenção. Desde o início, quando ainda trabalha só com brigadeiros, já utilizava o chocolate nobre na produção.

Para os naked cakes, a qualidade não diminuiu. Os granulados utilizados por ela não são os tradicionais, mas sim os chamados “splits” de chocolate, que custam R$80 em comparação com o clássico que é encontrado nas lojas por R$19,90. “Quem prova um
chocolate belga, nitidamente percebe a diferença para um produto feito com achocolatado ou os chocolates fracionados, que contém gordura vegetal. Eu faço questão de utilizar marcas como a Callebaut, chocolate original da bélgica, para que conquiste os clientes pelo paladar. Hoje as pessoas me procuram para fazer encomendas e os sabores e qualidade vem primeiro e só depois elas se importam com valores”, comenta.

Marcela Soares / Instagram
Marcela Soares / Instagram
Marcela Soares / Instagram
Marlon Diego / Esp. DP

A jornada do estudante de administração Yago Allib não foi muito diferente. Há quase quatro anos o jovem entrou no ramo da confeitaria, mais precisamente no mundo dos cupcakes, buscando a receita perfeita. Após muitos testes e adaptações, ele percebeu
que o investimento em produtos de qualidade valiam a pena para o reconhecimento.

Assim, ele lançou o queridinho “cupcake gigante”, com cerca de 2kg, um bolo em formato de cupcake com direito a “forminha” feita de chocolate. O produto foi um sucesso, que o motivou a abrir as portas para produção de outros doces como naked cakes e pudins. Os produtos, que conquistam paladares, mas, acima de tudo, alimentam os olhos, levam o jovem a caminho do sucesso. Com a produção feita na cozinha de sua casa, hoje deve firmar uma sociedade e finalmente abrir um ponto para os Cupcakes Allib. Porém, diferentemente de Marcela e outros confeiteiros, Yago decidiu não fazer ligação entre o termo gourmet e seus produtos.

Ele conta que por conhecer pessoas que utilizam o termo e não “cumprem” a qualidade na hora de entregar os produtos e também pela fama de ser apenas uma desculpa pra cobrar mais caro, decidiu abolir a gourmetização em sua cozinha. “Nunca gostei do termo como confeiteiro mas também como cliente. Muitas pessoas utilizam o gourmet como um motivo para cobrar mais caro e continuar com a qualidade lá embaixo. Eu gosto de seguir cada passo no meu tempo. No meu caso, preferi esperar, até estar mais seguro, para cobrar um pouco a mais por meus produtos devido a qualidade que ofereço, sem a “desculpa” da gourmetização”, comenta.

Cupcakes Allib / Instagram
Cupcakes Allib / Instagram
Cupcakes Allib / Instagram

De acordo com a coordenadora do curso de gastronomia da Faculdade Boa Viagem, Isabella Jarocki, é preciso prestar atenção no “falso gourmet” comercializado por alguns. “Atualmente tudo virou desculpa para vender produtos atribuídos ao termo, porém, muitas vezes as pessoas que produzem esses doces nem sabem como deve ser feito o produto, para que ele seja enquadrado dentro da confeitaria fina. Não são apenas sabores diferenciados daqueles que vemos normalmente, mas sim com produtos de alta qualidade e uma forma de preparo diferenciada. Além dessa parte técnica, é necessário também uma parte artística do confeiteiro, um bom gosto interior, para a apresentação dos doces, desde a montagem até a embalagem de entrega”, explica.

Quando o assunto é o preço, as coisas também mudam. A diferença de valor cobrado pelos doces tradicionais para os gourmet é grande. Um brigadeiro normal chega a custar R$0,25 centavos em alguns lugares, em comparação com um gourmet, que custa em média R$1,50. Porém, é necessário pesquisar na hora de fazer uma encomenda, para não ser pega de surpresa pelo pseudo gourmet. “Sabores diferenciados chamam atenção, porém não é apenas neste aspecto que se deve prestar atenção na hora de comprar. Para identificar se o produto é realmente aquilo que se é vendido, basta analisar aspectos como granulados, textura da cobertura, apresentação e acima de tudo, perguntar os ingredientes utilizados ao vendedor. Como cliente, não se pode deixar passar uma situação onde pagamos por aquilo que não recebemos. Não há problema algum em perguntar como o produto é feito, afinal, quando o item for ingerido, o paladar não vai mentir”, alerta.

reais é quanto custa 1kg de um chocolate belga

reais é o preço do quilo do granulado gourmet

Por outro lado, para a professora de gastronomia da Faculdade dos Guararapes Maria França, é preciso desmistificar o termo. Cada confeiteiro pode desenvolver suas próprias receitas com certos produtos que se adaptem melhor. No caso dos brigadeiros, o modelo que oferece um sabor e apresentação refinados e diferenciados dos tradicionais pode ser considerado gourmet, mesmo sem usar chocolates nobres. “Se um confeiteiro desenvolve uma nova receita de brigadeiro, que difere do tradicional, como um brigadeiro de damasco ou até mesmo um com três sabores, estilo napolitano, ele pode ser considerado gourmet. Se a pessoa usa produtos bons e tem uma apresentação diferenciada, ele é gourmet. Não precisa ser o damasco mais caro do mercado, importado, mas preservando uma certa qualidade, é possível utilizar o termo para agregar valor às vendas”, explica.

Para os amantes de doce, não existe uma preferência entre o gourmet ou tradicional, o caro ou o barato e até mesmo o bonito ou o feio. O que realmente importa é um produto gostoso que se possa comer com a boca, além dos olhos. Na verdade, o dilema é um só: quanto mais, melhor!

Eduarda Bagesteiro

Eduarda Bagesteiro

Repórter

Eduarda é estudante de jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco. Escreve para o Diario desde março de 2017.

Marlon Diego

Marlon Diego

Fotógrafo

Marlon é estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco.