Bancas de revistas resistem numa metrópole que lê cada vez menos

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Bancas de revistas do Recife já foram símbolos de cultura e locais de encontro e hoje lutam contra a extinção, que levaria consigo dezenas de histórias de vendedores que viram a história da capital se desenvolvendo

 

Revistas levemente queimadas pelo sol e desgastadas pelo tempo dividem espaço com doces, água e amendoim. Essa é a banca de Emanuel Bezerra, 65, localizada perto do Colégio Luiz Delgado, no Centro do Recife, há 35 anos. É uma das cerca de 407 registradas junto à Prefeitura do Recife, em 2016. Há dez anos, segundo a Junta Comercial do Estado, eram 2.251. Lentamente desaparecendo da capital pernambucana, as bancas de revistas deixam de contar a história local, se distanciam do cenário da cidade e, cada vez mais, vão passando despercebidas pelos transeuntes.

Mesmo com as marcas do tempo aparentes na sua banca, Emanuel afirma não abrir mão dela: “Estou aposentado, mas não quero ficar em casa. Crio o meu horário de trabalho. Não preciso sair cedo e chegar tarde”. Apesar de manter a ocupação, pretende se desvencilhar das revistas com o tempo. “O movimento na banca começou a cair de uns 10 anos para cá. Ninguém mais compra revista, alguns acham que elas são caras, outros preferem ler tudo na internet ou assistir na televisão. Eu pretendo ficar com poucos exemplares para comercializar e investir em outros itens como água e pastilhas”, relata, melancólico.

Durante a visita da reportagem, apenas alguns poucos pararam para comprar água e balas no estabelecimento que foi fundamental para o sustento da família de Emanuel e a criação e formação dos seus filhos: “Formei os três: um engenheiro agrônomo, uma administradora de empresas e uma especialista em relações públicas. Tudo com o dinheiro que conquistava aqui”, afirma.

O investimento foi realizado após trabalhar numa fábrica de materiais de construção por 10 anos, realidade que hoje muda por conta da internet. “Quando eu passava pelas bancas de revista sentia vontade de abrir uma para mim. Acredito que elas acabam servindo como ponto cultural. Naquela época, meu cunhado era representante da Editora Abril aqui no Recife, foi só mais um motivo. Antes eu ia debaixo de chuva para Afogados pegar os exemplares na distribuidora, agora não faço mais isso. Só vou ficar com algumas revistas e com os jornais”, conta com um pouco de tristeza.

Caminhos cruzados

 

A alguns metros dali, na Rua do Riachuelo, a banca de revistas de Maurício Cipriano, 53, faz parte do cenário há 30 anos. O ex-funcionário do Banorte por 21 anos foi promotor de vendas do Diario de Pernambuco e distribuidor de jornal em Paulo Afonso (BA). “Fazia parte das minhas atividades visitar constantemente as bancas e eu achava legal todo dia ter acesso a informações novas porque naquele tempo não tinha internet. Eu acabava lendo muitas revistas nas visitas”, conta, afirmando sempre ter gostado de ler, desde a infância.

O negócio de Maurício, assim como o de Emanuel, teve um empurrãozinho do cunhado: “Essa banca era do meu cunhado, ele resolveu passar adiante e eu comprei. Então, passei a trabalhar por conta própria vendendo um produto que gosto”, conta, também admitindo a mudança de público. “Houve uma diminuição na procura desses produtos de uns 10 anos para cá. Acredito que seja por causa da internet. As pessoas têm mais facilidade em encontrar informações. Entretanto, ainda existem aqueles clientes fiéis, que consomem revistas. Além disso, existem outras possibilidades como vender água, refrigerantes, confeitos, recarga de celular e até recarregar o VEM (cartão de passagens estudantis)”, relata, espantando a possibilidade de fim do negócio.

 

Um eixo de cultura cosmopolita

Na Rua 7 de Setembro, a Jornal Magazine se mantém há 45 anos, num perímetro historicamente marcado por lojas de livros. “Essa rua era tida como ponto cultural. Aqui existiam várias livrarias: a livro 7, Livraria Saraiva, Livraria Síntese”, conta o proprietário Manuel Martins, 62. Expostos, estão títulos de revistas e jornais nacionais e internacionais que chegam a deixar o consumidor levemente atordoado – e, normalmente, o levam a pedir ajuda. Do caixa, Manuel cumprimenta os clientes com simpatia e um sotaque diferenciado. Português, ele deixou a família para trás, do outro lado do Oceano Atlântico, há 47 anos, quando veio visitar o irmão, em Minas Gerais. “Eu me apaixonei e não quis voltar mais”.

BrendaAlcântara/DP

Na época, o mesmo irmão, João Farias, então com 30 anos, resolveu viajar de férias para o Nordeste e descobriu Pernambuco. “Ele tinha um espírito aventureiro, se apaixonou pelo Recife e resolveu vir morar aqui. Eu, vim com ele”. Junto à mudança veio o novo empreendimento: “Lá, meu irmão tinha uma espécie de lanchonete e bar. Como ele tinha uma vida boêmia e gostava de beber, resolvi mudar os rumos do novo negócio”, lembra em relação à primeira empreitada, na Conde da Boa Vista, nas proximidades do Cinema São Luiz. “Quando o banco Itaú começou a ser construído, precisamos mudar de local. Fui para um ponto um pouco mais a frente na Conde da Boa Vista e depois vim pra cá”, disse.

Há 36 anos comandando os negócios sem o irmão, já falecido, ele junta forças à esposa pernambucana para tocar a vida de empreendimentos, que já contou com a Livraria Magazine, que tinha, no interior, um restaurante, próxima à antiga Mesbla e à Livraria Jornal Livre, no Derby Center. “Amo livros e revistas. Me sinto atraído pela imagem, pelo papel, pela informação. Por isso, sempre tive negócios nessa área. Mas trabalho muitas horas por dia e confesso que não sou um leitor tão assíduo”, comenta.

Rosa Ferreira, 54, comprou duas revistas de culinária, enquanto visitávamos a banca e, junto com Manuel, lembrou de sua relação com a banca. “Eu compro aqui há mais de 30 anos. Sempre trago minha filha, desde quando ela era criança”, conta. Em relação, à diminuição do público ela afirma: “As pessoas estão mais preocupadas em frequentar restaurantes do que ler revista, livro”, afirma. Manuel, com olhar questionador, indaga se leio revistas e jornais impressos. Abre um sorriso com a resposta positiva e comemora: “Nem tudo está perdido”.

Outros tempos, outros públicos

O público foi diminuindo e definindo também os títulos. Segundo os proprietários de bancas recifenses, se as revistas de lazer nunca saem de moda, as voltadas à informática e instrumentos musicais desapareceram das prateleiras. “Antes as prateleiras eram cheias de revistas de informática. Por exemplo, a PC Magazine e a Byte eram revistas importantes na área. Elas deixaram de existir com a própria internet”, comenta Manuel Martins. “Hoje, as pessoas procuram e aprendem as coisas pela internet. As revistas que ensinavam a tocar violão, simplesmente, desapareceram da prateleira”, completa Maurício Cipriano.

Os proprietários concorda que hits como palavras-cruzadas vendem muito desde sempre, mas o perfil de consumo mudou. “Acredito que quem consome mais revistas são as mulheres. Mais de 60% do segmento abrange este público. Elas consomem revistas de notícias, científicas, culinária, moda, beleza, mangás”, afirma Cipriano. Esses mangás, inclusive, são exceção num mercado que diminui, uma vez que não para de crescer: “sempre tem um mangá novo sendo lançado e não importa o preço, são muito procurados”.

Mayra Couto

Mayra Couto

Repórter

Brenda Alcântara

Brenda Alcântara

Fotógrafa