Autistas pernambucanos lutam por vagas no mercado de trabalho

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Dados do Ministério do Trabalho mostram que, entre as pessoas com deficiência, autistas estão no grupo que não possui nenhum empregado

Consideradas pessoas com deficiência (Pcd) por lei, desde dezembro de 2012, os portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda não fazem parte dos quadros de trabalhadores de empresas pernambucanas, sejam elas públicas ou privadas. A informação é do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE/PE), que revela ainda um crescimento tímido, limitado a 7% ao ano na contratação de trabalhadores com deficiências. Além disso, as cotas de exigência de efetivação de pcds em empresas com mais de cem empregados continuam a ser ignoradas.

Para os autistas, a rejeição dos empregadores é maior que a sentida por pessoas com outras deficiências porque eles necessitam de adaptação e atenção especiais para trabalhar. De acordo com a psicanalista especialista em autismo Valéria Aguiar, a inclusão é problemática desde a infância e a ausência dessas pessoas no ambiente corporativo é um reflexo da cultura brasileira. No entanto, destaca que elas são pessoas com habilidades específicas extraordinárias, mas têm dificuldade de se relacionar, principalmente com estranhos. “Eles têm uma forma singular de interpretar o mundo, e, por isso, precisam de uma pessoa que o acompanhe durante o período de trabalho. Podem não suportar alguns tipos de abordagens grosseiras, por exemplo. Há casos de programas de trabalho voltados para pessoas com autismo, inclusive com sucesso, mas a empresa realmente necessita de empenho na luta pela inclusão”, explica.
“É comum haver um projeto de vida de faz de conta para essas pessoas, criado pelas famílias desde o nascimento delas. Normalmente, com o intuito de protegê-las dos problemas, mas isso pode exclui-las da sociedade.”
Valéria Aguiar

psicanalista (esp. em autismo)

Ivan Ramos. Créditos: Karina Morais/Esp. DP
O apoio da família de Ivan é justamente o tipo de base necessária para promover o desenvolvimento de autistas. “O ideal é que as habilidades especiais de quem porta autismo sejam potencializadas e transformadas no seu sustento. Na nossa clínica, há uma criança que pinta de maneira incomum, por exemplo, e os pais devem investir na arte”, ensina Valéria Aguiar.
Quando o projeto existe, como é o caso do portador de autismo Ivan Ramos, 18, a inclusão torna-se mais fácil, ainda que incerta. Atualmente, ele estuda no Conservatório de Música de Pernambuco em uma classe comum.
O sonho de trabalhar, por outro lado, vai sendo adiado, já que não há concursos para professores com vagas para portadores de deficiência especial. “Ele toca violão, teclado e bateria. Se ouve uma música pela primeira vez pela manhã, à noite, pega um instrumento e a reproduz. O trabalho de professor de música, que é o que ele deseja, foi até incentivado pelos professores do conservatório, mas não sabemos como chegar lá”, conta a mãe, Bethânia Ramos, que acredita numa saída por meio de aulas particulares. “Ele ainda tem grande habilidade com idiomas. Aprendeu inglês sozinho, vendo filmes, e compreende japonês e italiano.”

Contra limites e estatísticas

As pessoas com deficiências intelectuais ou com transtornos mentais são as mais difíceis de incluir no mercado de trabalho, de acordo com o auditor fiscal do trabalho Fernando Sampaio. São apenas 7,5% do total de pcds empregados no país. “As empresas procuram pessoas com deficiências parciais – um surdo que escuta ou um cego que enxerga – para contratar porque precisam cumprir as cotas. Não há cultura de inclusão no Brasil e isso só muda com um trabalho forte de fiscalização”, explica ele, que também é integrante da Coordenação de Fiscalização de Inclusão de Pessoas com Deficiência e Reabilitadas.

Uma das maneiras mais eficazes de empregar pessoas com deficiências seria fragmentando as funções de um trabalho. O problema é que, em vez de perceber as cotas como uma forma de inclusão, os empresários acreditam erroneamente que terão o trabalho atrasado. “Países europeus tiveram que se adaptar à inclusão por causa das guerras, que deixaram muitas pessoas com sequelas físicas. Nós ainda estamos atrasados. As empresas se utilizam de argumentos falaciosos para não cumprir as cotas. Elas não contratam voluntariamente. 92% das contratações são por causa da lei”, relata.

Justificativas e respostas do MTE sobre as cotas

Não houve tempo de contratar a quantidade de pcds obrigatória por lei.
A lei tem 24 anos, tempo suficiente para ser cumprida.
As cotas são muito altas.
Cota brasileira é amena em relação a outros países como Alemanha, por exemplo, que exige que 6% dos funcionários sejam pcds.
Não há pessoas qualificadas para o trabalho.
Empresas podem contratar pessoas com deficiência de qualquer idade como aprendizes.
Não há pessoas com deficiência no mercado.
Empresas anunciam vagas para deficientes, mas não marcam entrevistas para chamá-los. Aos juízes do trabalho, então, mostram anúncios para provar suposta tentativa de contratação.

Evolução anual no Brasil (2013-2014):

  • Pessoas com deficiências auditivas (78 mil) 0.3% 0.3%
  • Pessoas com deficiências físicas (192 mil) 6% 6%
  • Pessoas com deficiências intelectuais (29 mil) 15% 15%
  • Pessoas com deficiências visuais (39,5 mil) 18% 18%
  • Pessoas com deficiências múltiplas (6,7 mil ) 22% 22%
Agência do Trabalho. Créditos: Bernardo Dantas/Esp. DP

Exclusão afeta também repartições públicas

Nos concursos estão os obstáculos para a entrada de pessoas com deficiência em empregos públicos e muitos concursos nem são realizados de maneira inclusiva nem realizam perícias de comprovação de deficiências de forma adequada, de acordo com Fernando Sampaio, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Tiago Albuquerque, 28, por exemplo, passou no concurso da Justiça Federal em Pernambuco (JFPE) para os cargos de nível médio e superior e por pouco não perdeu a vaga. Na primeira perícia pela qual passou, um médico do trabalho atestou sua deficiência, mas vetou sua entrada no trabalho porque supôs que Albuquerque não conseguiria realizar o trabalho de forma completa – declaração que, inclusive, nem mesmo compete à perícia de entrada, uma vez que tal capacidade é testada apenas no estágio probatório, em que as adaptações necessárias já devem ter sido feitas. “Ele achou que eu não podia entrar porque teria que carregar processos. Mas os processos são eletrônicos”, lembra Albuquerque.

Por meio da intervenção do MTE e concordância do juízo da JFPE, uma junta de três médicos do próprio local realizou uma nova perícia e ele foi aprovado. Começou a trabalhar com processos físicos em Garanhuns, onde as pessoas juntavam todos os processos em um único local, e Albuquerque trabalhava com todos de uma só vez. Atualmente, na 9ª Vara da capital, se orgullha ao afirma que mantém os processos sem pendência. “É impossível zerá-los porque sempre chegam mais, mas os deixo sempre perto de zero. Aquele primeiro perito estava errado”, comenta.
Tiago Albuquerque. Créditos: Suzan Vitorino/Ascom JFPE
Paulo Trigueiro

Paulo Trigueiro

Repórter

Paulo é jornalista e psicólogo. Escreve para o Diario desde 2013 e integrou a equipe de dados do jornal no final de 2015.
Karina Morais

Karina Morais

Fotógrafa