A avenida que nem o Google conseguiu mapear

Numeração de imóveis da Bernardo Vieira de Melo, em Jaboatão, desafia a lógica e última tentativa de ordená-la completou 35 anos

Maior via urbana de Jaboatão dos Guararapes, a Bernardo Vieira de Melo pode até se destacar por seus imponentes imóveis, mas chama a atenção mesmo é por sua (des)ordenação urbana, contrária a “manuais de urbanismo” do mundo inteiro. Não bastasse “continuar” após desvio de rota tão brusco que passou a ser chamado de “curva do S”, a avenida tem numeração de imóveis tão enigmática que nem a equipe de mapeamentos do Google foi capaz de traduzir em seu banco de dados.

São 6,8km no bairro de Piedade. Ao final da via, números como 7.800. Mas na metade dela, próximo à concessionária Honda, duas galerias comerciais, afastadas por 100m exibem seus “marcos”: a Praia Center, 1.243, e a Mix Center, pasmem, número 88. Transtorno para quem mantém negócios na área, como a empresária Viviane Falcão, 40.

“Dependemos de pontos de referência, que variam quanto ao perfil e ao transporte do cliente. Por número, ninguém acha. Pior é táxi. Como usamos aplicativos, o mapa leva o motorista para o lugar errado, então sempre nos garantimos pelo telefone”, conta.

Avenida Bernardo Vieira de Melo

km

mil imóveis

Ao longo de toda sua extensão, a avenida acumula exemplos curiosos. Próximo ao trecho final da via, o Edifício Molusco, 6.487, é ladeado pelo Genova, 7.488, e moradores garantem que “chegaram primeiro”. “Estou nessa região há nove anos e sempre foi uma loucura. O Molusco já existia quando esse prédio vizinho foi construído. Todo mundo já teve algum problema para receber encomendas, com Correios ou mesmo para receber visitas”, relata a antropóloga Ana Rodrigues, 40. De frente ao prédio dela, o Edifício Barcelona, 7.576, mais um com “lógica própria”.

De acordo com o secretário do Meio Ambiente e Gestão Urbana do município, Carlos Sampaio, o problema da via data desde a ocupação humana na cidade. Como não era uma faixa contínua, mas ruas divididas até mesmo por córregos, cada imóvel foi escolhendo um número e, depois de um tempo, não houve mais controle. “Em 1980, a prefeitura promoveu um esforço de propor uma ordenação, junto a Correios, cartórios, população etc. Mas o custo era elevado. Imagine o transtorno de alterar centenas de escrituras e endereços de entrega? Acabaram deixando passar, mas deveriam ter feito. Hoje, sabemos do problema e dos transtornos, mas essa não é nossa prioridade. Um dia, isso será resolvido”, afirma, garantindo que, do ponto de vista de arrecadação, a numeração não influencia o controle do município, uma vez que os endereços são divididos, na prefeitura, a partir de quadras, partes de quadras e números cadastrais de cada lote.

As pessoas sempre se perdem. Nem taxista sabe se localizar. Não adianta 99Taxi, EasyTaxi etc”

Viviane Falcão,

Empresária

Cruza o bairro de Piedade

Liga o bairro de Boa Viagem (Recife) ao de Barra de Jangada (Jaboatão dos Guararapes)

Uso misto (Residencial e comercial)

Desde a década de 80, milhares de novos empreendimentos foram construídos na avenida, vários deles, com numeração equivocada. Hoje, são pouco mais de 40 mil imóveis, organizados numa lógica que sequer funciona ao longo de poucas quadras. A solução prometida para o tal “um dia”, pelo visto, ainda está longe de se fazer realidade.

Tente se localizar

Algumas provas de que a Bernardo Vieira de Melo possui lógica própria

Ed Wanderley

Ed Wanderley

Repórter multimídia

Ed é repórter do Diario desde 2010, onde se dedica a reportagens voltadas ao jornalismo investigativo, digital e de dados. Mora no Recife há quatro anos