40 anos de rally em Pernambuco: Agora é a vez das mulheres

Pernambuco recebe competições de rally desde a década de 1970, mas foi apenas nos anos 2000 que as mulheres começaram a tomar o volante de verdade. Com a volta do Campeonato Pernambucano de Rally, após um hiato de oito anos, já é possível perceber que, de cada cinco co-pilotos inscritos na categoria iniciante, uma é mulher – até a segunda etapa da competição. Em geral, elas formam duplas com os maridos e muitas apontam a aventura como uma espécie de “terapia de casal”.

A administradora pública Alessandra Debone, lidera a categoria ligth navegando junto do noivo, Hélder Falcão. Lendo uma planilha que explica o caminho a ser seguido durante o rally, ela coordena o que ele deve fazer com o volante e com os pedais.

“No início, a gente brigava muito. Foi um longo caminho até conseguirmos nos entender durante a corrida”, lembra. “Depois, ele começou a entender melhor as orientações que eu dava e, por outro lado, eu comecei a perceber as melhores formas de passar a informação”, conta Alessandra.

Alessandra e Hélder. Créditos: Roberto Ramos/DP/DA Press.

Com o avanço na comunicação, o entendimento começou a ser refletido na rotina do casal. O marido ficava impressionado com o cenário quando o carro estacionava na linha de chegada. “A briga fica no rally desde o início. Quando termina, tudo fica incrivelmente bem, especialmente se estivermos no pódio”,  explica o engenheiro. Eles começaram a correr em 2014, quando uma das etapas da Copa Troller passou por Pernambuco.

Esses desentendimentos foram evitados pelo empresário Bartolomeu Nunes, 57. Correndo rallys desde 2002, combinou com a esposa Ana Cláudia, 50, que cada um participaria em um carro diferente. “Por volta de 2006, ela se interessou em pilotar porque gostava de dirigir e porque ficava enjoada quando lia (a planilha de navegação) dentro no veículo em movimento. Mas se fôssemos uma dupla, nós iríamos enjoar um do outro por causa das brigas”, brinca. Ana Cláudia chegou a ser campeã da categoria Turismo, a intermediária entre iniciantes e profissionais. “Cheguei nesse nível, mas começamos porque era algo que faríamos em conjunto, partilhando um mesmo interesse. Dá muito prazer. Depois do corre-corre da semana, tira o estresse”, conta.

Alberto e Ana nos anos 2000. Arquivo Pessoal/Reprodução.

A advogada Ana Barbosa, 47, começou a pilotar no início dos anos 2000 junto com o marido, o engenheiro elétrico Alberto Barbosa. “Conhecemos uma turma que corria rally e decidimos ir. Eu disse: ‘a gente vai, mas quem dirige sou eu’”, lembra. Para dirigir, Alberto chegou a correr duas vezes sem a esposa, com um amigo na função de navegador, mas não conseguiu resultados tão bons na competição. “É uma terapia, mesmo. A ponto de passarmos o nosso último aniversário de casamento em um rally. Vejo a semelhança com os treinamento vivenciais que as empresas fazem. Ele ajuda a gente a se alinhar, e nos ensina a lidar com situações imprevistas”, explica Ana.

Quando o atual diretor do Campeonato Thadeu Falcão, 60, participou do seu primeiro rally, há 40 anos, a participação de mulheres no esporte era impensável. Segundo ele, hoje as mulheres provaram que são pilotos e navegadores muito eficientes, mas ainda se ouve piadas nas corridas, colocando em dúvida a capacidade delas – cultura herdada de muito tempo e que está com os dias contados. “Diziam que elas se perderiam se fossem navegadoras. Piloto, nem pensar, porque seriam ruins de volante. A resposta aqui no estado veio em forma de diversas lideranças por parte delas”, conta Falcão.

Arquivp Pessoal/Reprodução

Regularidade à flor da pele

Em Pernambuco, o único campeonato disponível é na forma regularidade. Nessa modalidade, ser o mais rápido não é importante. É preciso chegar a um ponto em um décimo de segundo exato, definido pela organização e disponibilizado numa planilha na noite anterior à prova. Chegar atrasado ou adiantado acarreta no ganho de pontos indesejáveis. Vence o competidor que acumula menos pontos. Há ainda a possibilidade de participar da prova sem competir, seguindo o “carro-vassoura” da organização, que percorre toda a rota após o último competidor. As inscrições são orientadas através da página da competição no facebook ou diretamente com os organizadores.

Os personagens de um rally

Piloto

Muita habilidade na direção e familiaridade com o carro são necessárias para quem conduz o veículo. Além disso, é preciso ter calma para dirigir sem se arriscar depois de perder tempo entrando em caminhos errados. Para aprender, há cursos gratuitos em Pernambuco.

Navegador

Encontra as pistas sinalizadas na planilha. Tem que ser multitarefa, porque analisa o caminho descrito ao mesmo tempo em que olha para o caminho real. Além disso, precisa monitorar a velocidade, utilizando-se de noção de espaço e interpretação do equipamento utilizado.

Uma dupla

O mais importante para qualquer participante de rally é saber trabalhar em equipe. É preciso humildade para entender as falhas do parceiro e agir com harmonia quando ela ocorre. Brigar atrasa os corredores e leva a outros erros porque toma a atenção.

Criando um rally

Criar um rally é tão divertido quando correr. Quem garante é o diretor técnico do Campeonato Pernambucano de Rally Leonardo Moura, que prepara rotas de provas desde 1989. “Fico pensando nas sacanagens que posso colocar nesses percursos. Quando encontro um trecho complexo, fico rindo, imaginando a cara que as pessoas vão fazer quando chegarem naquele trecho. Muitas vezes a gente para o carro para gargalhar”, conta. “Procuramos estradas boas, com muitas entradas e saídas. Queremos que o competidor se confunda, mas não queremos que ele se perca. Para saber o que deve ser feito, é preciso muita atenção.”

Por segurança, tanto dos competidores quanto dos moradores dos locais por onde os carros passam, as pistas precisam estar localizadas em locais com pouco ou nenhum tráfego. Além disso, há um cuidado em procurar locais escondidos que são bonitos. Para fazer anotações, medir as áreas e estabelecer os pontos em que o satélite registrará a passagem do corredor, Moura faz cerca de seis saídas para concluir o roteiro de uma prova, mas já chegou a passar 12 vezes pela mesma trilha. O tempo para percorrê-la varia, normalmente, entre 5 e 7 horas.

“Também pensamos na segurança do carro. As pessoas pensam rally é para ficar atolado, danificar as peças, mas não é nada disso. Nós analisamos o clima da época e evitamos locais que estão passando por tempos chuvosos. A dificuldade do rally é técnica e de roteiro. Tentamos pensar em formas de atrasar as pessoas e fazê-las perder pontos. Queremos que os carros continuem intactos, para que os corredores continuem participando”, finaliza.

Leonardo Moura cria rotas também à noite. Crédito: Leonardo Moura/cortesia.
Belas paisagens são objetivos das rotas. Crédito: Leonardo Moura/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.
Segunda etapa do Campeonato Pernambucano de Rally. Créditos: Débora Rosa/cortesia.

O mapa do rally em Pernambuco

De acordo com Zeca Monteiro, presidente da Federação Pernambucana de Automobilismo, no fim dos anos 2000, os registros oficiais das competições de rally, como o Campeonato Pernambucano, foram perdidos depois de uma enchente destruir quase todos os documentos. Hoje, a memória do esporte se baseia na lembrança de corredores e organizadores.

Algumas dos municípios pelos quais mais passaram as rotas propostas no Campeonato Pernambucano, por exemplo, são lembradas por Thadeu Falcão, corredor desde 1975, e Leonardo Moura, criador de rotas desde 1989. A maior parte fica na Região Metropolitana do Recife ou Zona da Mata Norte, mas já tivemos competições que incluíram cidades mais distantes, como Garanhuns, no Agreste do estado.

O carro

Qualquer carro com tração 4×4 pode participar de um rally de regularidade. Mas cada um tem suas características próprias.

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Pajero TR4

São fortes e têm entre-eixos mais curtos, possibilitando curvas melhores. As grandes picapes precisam fazer curvas muito fechadas em dois tempos.

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Trollers

Tem os motores mais potentes. São úteis principalmente para passar por obstáculos facilmente e para dar velocidade ao recuperar o tempo perdido com erros .

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Suzuki Jimnys

Têm os motores mais fracos entre os 4, mas são carros 4×4 mais baratos e compactos, utilizados como utilitário no dia a dia e para competir.

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Toyota Hilux

Grandes picapes são usadas porque são o carro de uso diário do corredor. Também são mais confortáveis e pulam menos que os carros curtos.

Paulo Trigueiro

Paulo Trigueiro

Repórter

Paulo estuda jornalismo na Unicap e escreve para o Diario desde 2013. Já deu início à promissora carreira de navegador de rally e jura ter paciência com todos os pilotos.