A desigualdade com cor, idade e endereço

No quarto dia da série As cidades dentro do Recife, resgatamos o desafio de viver na capital mais desigual do país, contrapondo expectativa de vida e probabilidade de morte quanto à longevidade, um dos eixos do IDHm. No último dia, o futuro e a semelhança Recife x Bogotá

 

Jameson tem 16 anos e o sonho de ser psicólogo, porém, ainda sem tanta certeza. Morador do bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife, intercala os estudos do ensino médio com as peladas na rua com os colegas. “Eu espero viver tempo suficiente para fazer tudo que gosto: estudar, jogar bola, ajudar minha família… tudo isso”. O sonho dele é comum, certamente dividido com muitos dos companheiros de pelada e colegas de classe. Porém, Jameson faz parte do principal grupo de risco de morte não-natural. Um jovem negro tem 11,57 vezes mais chances de ser morto do que um branco, em Pernambuco. O terceiro maior risco do Brasil, segundo o último Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade Racial.

Peu Ricardo/DP

A nove quilômetros dali, na Madalena, Zona Norte do Recife, Rosália Aguiar foca nos cuidados com o corpo para seguir com uma vida saudável. Cuidados estes que vem desde os 20 anos – com ginástica que deu lugar a aeróbica e aos alongamentos por décadas – a fizeram chegar bem aos 87 anos, muito além da longevidade média do recifense, estimada em 74,5 anos. “Fazia tudo sem motivo específico, pra me cuidar. Há uns quinze anos, já por indicação médica, eu e meu marido começamos a fazer caminhadas, musculação e esteira, por um melhor condicionamento. Há mais de dois anos, pratico yoga”, conta a aluna exemplar, que sabe decorados todos os movimentos da aula. Serena, diz que a quantidade de anos vividos não preocupa,mas “a qualidade de vida que terei até lá”.

Em comum, os dois tem os planos de vida, seja encarando de frente a maturidade ou buscando amadurecer. As diferenças, no entanto, são mais acentuadas e podem ser determinantes. Branca, classe média e moradora de um bairro nobre, Dona Rosália integra o grupo demográfico mais distante possível no qual reside Jameson. “Jovens do sexo masculino, de faixa escolar mais baixa, das famílias mais carentes, negros e pardos, estão mais expostos a homicídios, como também à prática de crimes dolosos contra a vida. A pobreza, o desemprego, a baixa escolaridade e a ausência de políticas públicas para a juventude, em particular em favelas e periferias, agravam o cenário da violência”, aponta a professora do mestrado em Direitos Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Maria Barros.

IDHm Recife: 0,734

Renda: 0,736
Educação: 0,662
Longevidade: 0,813

Sem acesso a serviços públicos ou perspectivas de vida nas chamadas “áreas de interesse social”, o que reduz naturalmente a expectativa de vida, esse grupo acaba ainda mais exposto à violência. Nesse sentido, a desigualdade é um elemento que aprofunda o problema social e que expõe as camadas sociais mais pobres. Para o doutor em sociologia da UFPE, Nadilson Silva, a carência da presença do estado e de oportunidades tem como consequência mais grave o crescimento da criminalidade. “O estado é, sem duvida, papel fundamental nessa situação, pela falta de investimento, pelo desequilíbrio de oportunidades, que gera frustração e faz as pessoas buscarem outros mecanismos para conseguir mudar, muitas vezes, desrespeitando as normas”, opina, acrescentando que mesmo políticas compensatórias como o Bolsa Família, diante de cenário de crise econômica acaba sendo insuficiente.

Peu Ricardo/DP
Expectativa de vida
  • Pernambuco – 73
  • Recife – 74,5
  • Brasil – 74,9

“Não posso me queixar 87 anos de vida porque continuo com meus sonhos e a enfrentar os desafios no meu caminhar”, diz Rosália, ao falar de realizações. No outro lado da cidade, Jameson define ‘desigualdade’: “uma pessoa ganha um salário mínimo e a outra que trabalha mais, muito mais, ganha bem menos que um salário mínimo. Essa é a diferença. Isso é uma coisa injusta”, pondera, ainda sem se dar conta que os ganhos mensais, no seu “caminhar”, ainda pode ser dos menores desafios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando a diferença agride

 

Como se não bastasse a ausência de oportunidades, há a falta de ação do Estado. Quando ela ocorre, geralmente é recebida como repressão. O Estado é aquele que faz a distribuição das políticas públicas e o sociólogo Nadilson Silva destaca que elas falham por não se voltarem à prevenção da violência nas periferias e favelas.

“Em localidades pobres, a polícia é vista mais como um mecanismo agressor, que como provedora de segurança. Ela vai para agredir, para matar. Não há trabalho de prevenção por parte do estado em localidades pobres, mais suscetíveis a isso”, alerta.

 

Prevenção e proteção direcionadas às comunidades mais carentes são também destacados por Ana Maria Barros. Os segmentos sociais alvos da repressão policial acabam sendo tratados apenas como geradores de violência, ao mesmo tempo que são também vítimas dela. “Todas as formas de violência podem ser contidas pelo Estado desde que ele não atue como vem atuando, entrando apenas com a força policial para reprimir os bairros mais pobres e favelas. É preciso ter prevenção contra a violência e proteção àqueles já expostos e vítimas da violência”, afirma.

Pernambuco

mais chance de morrer tem um jovem negro em relação a um branco

estado do país no no ranking de vulnerabilidade e desigualdade racial

João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João é estudante de jornalismo da UFPE. Estagiário do Diario desde 2014, escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados, no CuriosaMente.

Peu Ricardo

Peu Ricardo

Fotógrafo

Peu integra a equipe de fotografia do Diario de Pernambuco desde 2015.