Rio Doce, uma pequena cidade no interior de Olinda

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Um em cada dez habitantes de Olinda mora no bairro de Rio Doce, no limite norte da cidade. Se fosse um município, seria a 45ª cidade mais populosa, à frente de Bonito ou Afogados da Ingazeira, ainda que com menos de 7% do espaço territorial de ambas. Mas, apesar da população e do crescimento econômico desde sua fundação, no fim dos anos 1960, Rio Doce não tem prédios altos e as pessoas nas ruas parecem viver sem pressa. As cinco etapas do bairro dividem ruas cheias de casas habitadas por pessoas que ainda colocam a cadeira na calçada para “ver o movimento”.

Antes da construção dos habitacionais, o local era um imenso sítio, o “Melões de Baixo”, do político e empresário Edgar Lins Carvalho. Foi ele quem vendeu o terreno para a Companhia de Habitação Popular do Estado de Pernambuco (Cohab) em 1967. Rio Doce era um grande mangue, repleto de caranguejos. “Eles andavam pela frente das casas. Meu marido pegava muito e a gente sempre comia com pirão. Uns dez anos depois aterraram tudo e o manguezal morreu”, lembra a moradora Marlene Santos, 68. Na época, um pequeno rio passava pelo local e acabou dando nome ao bairro.

Marlene Santos, uma das moradoras mais antigas da segunda etapa. créditos: Paulo Trigueiro/Esp. DP.

Marlene foi uma das primeiras moradoras da segunda etapa de Rio Doce. Mudou-se nos primeiros dias do ano 1971. Lembra que as casas tinham dois ou três quartos e eram quase todas iguais, sendo modificadas aos poucos, com o tempo. Ela garante que, atualmente, falta quase nada perto de sua casa, na Rua do Cravo. “Só banco e asfalto”, pontua.

São 16 escolas públicas, duas policlínicas, duas unidades de saúde da família, sete mercados. Mas banco, só um, na 1ª etapa. “E mesmo tendo tudo, a vida aqui é tranquila, com casas baixas e poucos carros”. O perfil pacato do bairro incomoda o corretor Vallery Leite, que mora na terceira etapa. “Não tem nada para as pessoas financiarem. Não há lançamentos e as pessoas não querem sair para morar em outro lugar. As placas de ‘vende-se’ são incomuns, até. Preciso ir para outros lugares para trabalhar”, reclama. Leite começou a investir no negócio de placas para compensar o fraco mercado imobiliário de Rio Doce.

Área

População

Domicílios

Praças

Um mundo inteiro em 5 etapas

Quem passa pela segunda etapa de Rio Doce, vê flores em quase todo lugar, mas não pode sentir o cheiro delas: elas estão escritas nas placas que indicam as ruas. Planejadas por temas, as etapas dois, três e quatro têm ruas com nomes de flores, pássaros e frutas, respectivamente. Os nomes parecem brincar com a imaginação de quem passa, porque é difícil encontrar flores ou jardins na região. Os poucos pássaros que nomeiam as ruas e habitam o local estão em gaiolas, fechadas por muros altos. As árvores frutíferas mais frondosas foram derrubadas ou estão em terrenos particulares. A primeira e a quinta etapas são mais “justas” com os visitantes: a primeira foi nomeada por uma combinação de letras e números, enquanto a quinta, apenas números.

“Eu vejo flores em você”

A autônoma Natália Santana, 43, mora há 15 anos na Rua Cravo e é lembrada pelos vizinhos pelo amor que tem às flores. Cravos até já teve, mas morreram porque, no local, os fungos se espalham facilmente pelas plantas, segundo ela. “Estou terminando uma reforma para fazer um jardim na frente de casa. Enquanto isso, minhas flores estão na casa da minha mãe, em outro bairro”, conta. As flores preferidas são os bouganvilles. “O pedreiro matou uma parte grande da maior que eu tinha, mas meu marido me deu outro pé, que irei plantar em breve.”

“Passarinhos soltos a voar dispostos…”

Vallery Leite, 40, começou a criar passarinhos no ano em que se mudou para a Rua do Pintor, há 30 anos. Ela está localizada na terceira etapa de Rio Doce, onde as ruas foram batizadas com nomes de pássaros. Papa-capim, canário do império, graúna, curió, jaçanã e joão-de-barro são algumas delas. Vallery já teve tantas dessas aves que não me consegue precisar quantas foram no total. “Cheguei a ter mais de 30 ao mesmo tempo, inclusive um pintor, que é lindíssimo. Já tive muitos silvestres, também, mas o Cipoma e a polícia militar passa por aqui e leva quando vê, então, me desfiz deles. Hoje tenho apenas quatro canários, que são permitidos por lei”, explica.

“Da manga rosa quero o gosto e o sumo…”

Antônio Pereira de Assunção, 84, mora na Rua do Coração de Negro, na quarta etapa. Ele conta que, há alguns anos, havia quatro pés da fruta ainda na rua. Hoje, só há mangueiras e jambeiros, como a que ele tem na sua casa, de frente para a Rua do Jambo, fruta da qual, por sinal, Assunção não gosta. “A gente aqui em casa dá bolsas e mais bolsas cheias de jambo para os vizinhos”, conta. Ele mora no bairro desde 1979, e sente falta da casa anterior, em Jaboatão dos Guararapes. “Lá eu tinha mais amizades, as pessoas se conheciam mais. Acho que era a época, também, porque não tínhamos que levantar esses muros por causa de ladrões.”

Viajo porque preciso, volto porque…

 

Somadas todas as viagens feitas pelos ônibus que passam pelo Terminal Integrado de Rio Doce em um dia, seria possível dar a volta na terra duas vezes e meia. As viagens cobrem mais de 30 mil quilômetros. Juntas, elas deslocam pouco mais de 37,7 mil pessoas, o equivalente 7,5 mil carros lotados com cinco pessoas.  Mais do que a frota de automóveis inteira de Moreno ou de Palmares, por exemplo.

Do terminal integrado de Rio Doce parte uma das linhas de ônibus mais icônicas da Região Metropolitana do Recife, o Rio Doce/CDU. Famoso por sua extrema lotação nos horários de pico, ela cruza Olinda e Recife quase completamente. Percorre 60 quilômetros, mas não é a linha mais extensa. A Piedade/Rio Doce percorre quase 75 km e passa por três cidades: Jaboatão dos Guararapes, Recife e Olinda. 107 vezes por dia. No total, são quase oito mil quilômetros, o suficiente para ir a São Paulo e voltar quatro vezes.

Arte: Bosco/DP.