Quem paga a conta (e o pato) dos assaltos a ônibus?

por

Recifenses assaltados várias vezes (até na mesma semana), e até obrigados a recolher pertences de passageiros estão entre quem mais sofrem, mas ficam de fora das estatísticas

 

A cada duas horas, um ônibus é palco de assaltos em Pernambuco. São 11 roubos por dia em 2017, segundo o Sindicato dos Rodoviários, que registrou 3.259 roubos em coletivos até 31 de outubro – para a Secretaria de Defesa Social, que considera apenas os crimes em que houve roubo à renda do ônibus, em seu último levantamento divulgado foram 1.204 delitos, “apenas” 4 por dia. Desconhecidos mesmo são os números de quem se faz coadjuvante desse roteiro – que sofre violência, tem os pertences roubados e não dispõe de alternativas de transporte e tem que depender das mesmas linhas, nos mesmos horários, aguardando pela próximo “imprevisto”.

A universitária Eduarda Andrade, 20, sofreu dois assaltos na mesma semana, no mesmo horário, no percurso Setúbal/Conde da Boa Vista. “No primeiro assalto, que ocorreu na segunda-feira, fui abordada por um garoto com algum objeto cortante que não consegui identificar. Ele pediu minha carteira e, logo em seguida, fugiu pela parada de ônibus da Fafire”, lembra. “Na segunda vez, quinta-feira, o homem me abordou quando eu estava descendo do coletivo. Ele estava atrás de mim e me empurrou, fazendo com que eu caísse no chão. Logo depois, puxou a minha bolsa e correu”, relata sobre os crimes registrados em março, por volta das 14h.

As linhas mais assaltadas

PE-15/Afogados 
Zumbi do Pacheco/Barro (Loteamento)
PE-15/Boa Viagem
TIP/Cde da Boa Vista
T.I Pelópidas/Maranguape ll
Engenho Maranguape/T.I Pelópidas

A estudante deixou de pegar a linha e pensou em desistir dos estudos. “Depois de sofrer o segundo assalto eu fiquei tão assustada que pensei em trancar a faculdade para não correr mais riscos”, desabafa a estudante, natural de Vitória de Santo Antão e que nunca tinha sido assaltada. Ela não foi a única que passou perto de abrir mão do que faz. Raul Thomas, 19, aspirante a fotógrafo, abriu mão de utilizar o transporte público portando sua câmera fotográfica depois de sofrer dois assaltos a ônibus em 2017. “Agora eu não consigo mais andar sossegado na rua. O susto foi grande. Por conta da violência, eu não ando mais com minha câmera, que é meu instrumento de trabalho, quando meu transporte é ônibus”, conta. O bacharel em direito, Lucas Aragão, 24, também tem sua cota de traumas.

Ameaçado com uma arma de fogo na cabeça, foi obrigado pelos ladrões a recolher todos os pertences dos passageiros e colocar na mochila de um dos criminosos. “Eram muitos celulares, pertences e muito dinheiro no chão do veículo. Recolhi o que pude, em meu estado de susto, e coloquei na mochila do assaltante”, conta, sobre o episódio ocorrido em junho. “Já fui assaltado umas oito vezes no Recife, mas esse foi o pior. Nunca tive medo de usar os coletivos, mesmo sabendo das estatísticas, mas depois desse dia quando entro num ônibus à noite é uma tensão absurda. A viagem seguiu normal, algumas pessoas rindo, outras chorando, mas o episódio foi tratado com muita normalidade”.

Número de assaltos a ônibus na RMR em todo o ano de 2016

Número de assaltos a ônibus na RMR até outubro de 2017

 

 

 

 

Com o perigo como passageiro

 

 

 

 

A aflita sensação de insegurança não acomete apenas os passageiros. João Maurício, 49 anos, é motorista de ônibus desde 1998 e, ao longo de sua carreira, sofreu 16 assaltos enquanto dirigia. Ele relembra um dos episódios. “O assalto que mais me assustou foi um em que uma dupla de assaltantes me abordou e ameaçou cortar meu dedo para roubar minha aliança. Eu tentei resistir e um deles pediu para eu descer do coletivo para atirar em mim. Não desci e, por sorte, eles decidiram ir embora”, desabafou. Afastado da profissão há quase 5 anos por questões de saúde, João não nega os traumas que teve. “Já conheci todos os tipos de arma de fogo, inclusive, já vivi a experiência de ter uma apontada para a minha cabeça”, comentou.

Esse senso de normalidade é o que assusta ainda mais quando os números vão sendo apresentados. “Não pretendemos esconder números. Estamos trabalhando para investigar e para prender suspeitos. Este ano, capturamos 78 pessoas por envolvimento nesse tipo de crime”, afirmou o diretor integrado metropolitano da Polícia Civil, Joel Venâncio. O desafio não é apenas vencer os números, mas a sensação de insegurança de pessoas que se acostumaram com o crime e, consequentemente, se acostumaram a perder.

Na expectativa de mudança, o Sindicato dos Rodoviários acredita na melhora. “Tivemos no final de agosto uma audiência pública na Câmara Municipal do Recife para discutir a instalação do botão de pânico, mas o que a gente espera é que a Urbana, o Grande Recife e a Secretaria de Defesa Social implantem dentro dos ônibus um sinal de pânico para acionar uma câmera interna que leve as imagens do assalto ao vivo para a sala de monitoramento da polícia. A polícia vai poder ver o bandido e ter a prova do crime, mesmo que ele consiga fugir, esconder a arma e se livrar do produto do roubo para se livrar do flagrante”, pontuou Benílson Custódio, presidente sindical. Além disso, medidas práticas no cotidiano também estão sendo estudadas. “As linhas mais assaltadas são as que trafegam pela Avenida Sul. Inclusive, estamos avaliando retirar todas as linhas de ônibus que trafegam nela em alguns horários específicos, para evitar a quantidade de assaltos que têm acontecido naquela localidade”, afirmou Genildo Pereira, responsável pela comunicação do Sindicato.

Laís Leon

Laís Leon

Repórter

Laís é estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco e escreve para o Diario desde 2016, passando pela editoria de redes sociais antes de integrar a equipe do CuriosaMente. Pega tantos ônibus que já é melhor amiga dos motoristas, mas agradece a Deus por nunca ter sido assaltada.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Fotógrafo

Ricardo Fernandes trabalha como fotógrafo no Diario desde os anos 2000.