Profissionais serão treinados para lidar com crianças com microcefalia em escolas
Além de desenvolver pesquisas para combater o surto de microcefalia, é preciso pensar em maneiras de integrar e ajudar a desenvolver o grande contingente de crianças diagnosticadas com a malformação do cérebro. Até o final de 2016, estima-se que 16 mil novos casos sejam notificados no Brasil. Em Pernambuco, até o momento já são 1,7 mil notificações, com 241 casos confirmados. Justamente por isso, a microcefalia foi incluída na lista do Projeto de Estimulação Precoce, que visa capacitar profissionais da rede pública de ensino para lidar com crianças com necessidades especiais para promoção do aprendizado.
A iniciativa deve envolver cuidados de crianças entre 0 e 3 anos e tem previsão de início ainda no segundo semestre de 2016. A frente de trabalho já trabalhava com foco nos Transtornos do Espectro Autista e deverá envolver não apenas profissionais de educação, mas de saúde, com o objetivo de identificar as dificuldades enfrentadas por essas crianças e minimizá-las em seus primeiros anos de vida.
A chefe da Divisão de Educação Especial da Secretaria de Educação do Recife, Lauricéia Tomaz, esclarece que o projeto já estava sendo desenvolvido ao longo de 2015, mas que, com o surto, atribuído a um efeito do zika vírus em gestantes, a política deve ser efetivada mais rapidamente. “Diante da questão da microcefalia, ganhou mais urgência e celeridade. Já temos crianças com microcefalia na rede municipal, mas, principalmente nas creches, a tendência é de um número muito maior em 2017. Temos que estar preparados”, aponta.
Nivaldo Gomes de Souza Júnior, 12, tem microcefalia. Por conta da deficiência cognitiva e da dificuldade de aprendizado, ainda cursa o 3° ano do ensino fundamental. Escreve o próprio nome, copia outras palavras e consegue executar tarefas propostas na escola. “Gosto de brincar e de pintar”, responde, timidamente, ao ser perguntado o que mais gosta na escola. Sorridente, mostra a sala número 4 da Escola Municipal Diácono Abel Gueiros, na Macaxeira, onde senta na segunda fileira, ao lado do melhor amigo Nícolas.
Ele é apenas um dos inúmeros casos que poderiam ser beneficiados pelas ações de estímulo precoce. Não foi o caso. Com o problema identificado apenas aos 8 meses e uma matrícula tardia, apenas aos 7 anos, o garoto enfrenta não apenas limitações, mas o despreparo coletivo para que lidassem com seu caso. “Os médicos não sabiam o problema exato que ele tinha. Entrou no pré-escolar, mas não interagia com a turma, nem evoluía”, conta a mãe Ana Paula, 36 anos. Aos 11 anos, foi matriculado na atual escola, quando começou a apresentar avanços. “Aqui ele tem mais atenção, os professores dedicam mais tempo a ele. Se ele tivesse esse acompanhamento desde cedo, teria um desenvolvimento muito maior hoje”, opina a mãe.
A implantação do projeto de estimulação precoce na rede municipal ainda está mais perto do início que da conclusão. O mesmo ocorre quando é observado o quadro nacional.
As pesquisas da Divisão de Educação Especial apontam que a Estimulação Precoce está presente em apenas três cidades brasileiras: em São Paulo (SP), na região do Vale dos Sinos (RS) e em Nossa Senhora do Socorro (SE).
São Paulo
Região do Vale dos Sinos
Nossa Senhora do Socorro (SE)
No Recife, após a aprovação da Secretaria de Educação, será necessária a captação de profissionais – já presentes na rede, mas em outras escolas -, seguido do treinamento da equipe. Inicialmente, um projeto-piloto deve ser implantado em duas escolas da rede municipal, com a perspectiva de expansão ao longo dos anos letivos. “Já temos alunos com deficiência, mas diante do cenário atual eles ficam mais evidenciados. A construção de uma escola inclusiva, no entanto, já é um compromisso nosso. Mostrar que esses alunos são ‘mais um’ ajuda a quebrar paradigmas e barreiras”, relata Lauricéia.
Desenvolvimento possível ao custo de muitos desafios
Para a gestora da Diácono Abel Gueiros, Sueli Costa, o cenário que se aproxima é preocupante e deve realmente contar com atenção especial. Na escola, de 287 alunos, Nivaldo é o único com microcefalia. A tendência, porém, é o crescimento desse número ao longo dos próximos anos.
A incerteza faz sentido. Ela conta que durante o ano letivo de 2015 a escola – com problemas sérios de ventilação e de alta sensações térmicas – ficou sem ar-condicionado nas salas de aula desde setembro. A volta às aulas de 2016 tiveram que ser adiadas em cinco dias para que o conserto dos aparelhos, já solicitados em ofício meses antes, fosse realizado. “Se uma coisa simples como a questão do ar-condicionado foi esse problema, imagine algo muito mais complexo? É necessário tratar essa situação com a seriedade que ela merece”.
E, segundo especialistas, merece muita atenção, de fato. De acordo com Bianca Queiroga, professora do departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a inserção precoce das crianças com deficiências ou microcefalia no universo escolar é positiva e deve ocorrer a partir da liberação clínica. “Quanto antes o processo tenha início com uma equipe multidisciplinar, mais rápida será a identificação das dificuldades que essa criança terá ao longo da vida. Elas podem apresentar dificuldades na audição, problemas visuais, na comunicação oral, que podem ser acompanhadas desde o princípio”, aponta. Ela esclarece ainda que a ideia é investir no potencial dos estudantes. “Não é uma cura, as sequelas são permanentes, mas o estímulo precoce ajuda a desenvolver o máximo das potencialidades da criança e a não gerar uma defasagem adicional pela falta de acompanhamento”, finaliza.
“É algo que se aproxima e preocupa.Com alunos sem deficiência já existe uma dificuldade de universalizar a alfabetização, então com esses alunos que virão, que têm suas dificuldades, que necessitam de cuidados específicos, tem que haver mais investimento e empenho de todos”
Estudantes com deficiência na Rede Municipal do Recife
Professores do Atendimento Educacional Especializado
Salas de recursos multifuncionais
João Vitor Pascoal
Repórter
João é estudante de jornalismo da UFPE. Estagiário do Diario desde 2014, escreveu para a editoria de Política, antes de compor a equipe de dados, no CuriosaMente.
Brenda Alcântara
Fotógrafa
Brenda é fotógrafa estagiária do Diario desde 2015.