Porto e Recife: uma relação secular de desenvolvimento

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Vila de pescadores que cresceu a ponto de tornar-se capital de uma das mais prósperas capitanias da história, Recife deve à região portuária o seu crescimento

 

O Recife só ganhou a importância que tem hoje por conta do seu porto. Um local surgido do improviso de pescadores vivenciou, no passar dos séculos, a transformação de ancoradouro de caravelas a cais urbano, por onde passam 230 navios por ano, entre cargueiros e cruzeiros. Se hoje é uma das entradas turísticas do estado, o local também abriu as portas políticas para tornar o Recife capital pernambucana, tirando o posto de Olinda, ainda no século 19.

Economia e história se misturam tanto quanto porto e bairro, estabelecendo uma relação de ascensão e decadência que envolve ambos ao longo dos anos.

Somente em 2016, de acordo com dados da Empresa de Turismo de Pernambuco (Empetur), foram 30 navios de cruzeiro ancorados na área. A maioria do fluxo turístico é formada por estrangeiros, responsáveis por 65% dos desembarques ocorridos em solo recifense entre o final de 2015 e início de 2016.

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Outro nome

O Porto do Recife era conhecido como “Arrecife dos Navios”. Foi assim que o navegador Pero Lopes de Souza registrou o local em seu Diário de Viagem por volta de 1530.

Melhor do mundo

Ao menos na localização, o ancoradouro recifense era considerado o melhor do mundo no século 16. Isso acabava gerando o crescimento do interesse de diversas nações. E, numa época em que tudo era tomado à força, o resultado certo eram invasões.

Desse total,  norte-americanos, ingleses e argentinos são as nacionalidades mais recorrentes nas embarcações que atracam na capital pernambucana. Porém, ainda há espaço para um potencial intocado.  “Há espaço para explorar de forma efetiva uma região portuária, como o que acontece no Puerto Madero, em Buenos Aires. Em décadas passadas, houve maior movimentação mais próxima ao porto, mas isso se perdeu, apesar das novas tentativas (de revitalizar a área) por meio dos armazéns repaginados”, avalia o professor de economia internacional da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Écio Farias.

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Os navios do Porto do Recife

Entre 2010 e 2015:
433 embarcações por ano
Em 2016:
Das 240 atracações
210 navios cargueiros
30 de cruzeiros de turismo
Paulo Paiva/DP
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Números do turismo

Brasileiros => 34,3%
– Principalmente paulistas, cariocas e gaúchos

Estrangeiros => 65,7%
– Principalmente EUA, Inglaterra e Argentina

Quase 50% dos turistas têm mais de 65 anos
A renda média é de R$ 22 mil mensais

Se o tempo variou o impacto do turismo na vocação do porto, o mesmo não se pode dizer de seu elo firme, feito de açúcar.

Vetor da economia capitania, a partir do século 16, a iguaria, que perdeu o status de “ouro” da época do Brasil Colônia – quando era uma das principais riquezas obtidas pelos portugueses, ao lado do pau-brasil -, permanece como o principal produto de exportação com saída do porto.

A cada ano, entre os meses de outubro e março, o açúcar, em granel, sai da capital pernambucana com destino aos Estados Unidos e França, enquanto, em sacos, viaja o Atlântico até desembarcar no continente africano.

Porto do Recife/Divulgação

Maior navio já ancorado no Porto

MSC Divina – 333 metros de comprimento
A embarcação serviu de navio-hotel para mais de 3.500 torcedores mexicanos durante a Copa do Mundo de 2014. Na Arena Pernambuco, o México enfrentou a Croácia.

Papel importante nas guerras

Tanto na Primeira quanto na Segunda guerra mundial, o Porto do Recife serviu de base de apoio às forças expedicionárias do Brasil e dos EUA

Quem faz o porto

1.500 trabalhadores diretos e indiretos fazem parte do Porto do Recife. Nesse grupo estão caminhoneiros, estivadores, arrumadores, além do setor administrativo e financeiro

Nem só de açúcar

Depois do açúcar, a barrilha é o produto que mais gera movimentação comercial no porto. Se trata de uma espécie de sal branco e translúcido utilizado na fabricação de vidro e sabões.

Antes garantia da pujança da capitania, hoje, a movimentação açucareira é engrenagem da movimentação do Porto do Recife. Veio desse laço entre porto e açúcar a construção, ao longo das margens do Capibaribe, de engenhos que, na prática, funcionavam como núcleos populacionais que dariam início às vilas, vetores do crescimento da cidade.

“No século 18, a zona de atuação do porto já chega até a região do bairro de Afogados. As mercadorias, sobretudo o açúcar, vinham do interior, por rios como o Capibaribe e Tejipió, com destino ao porto”, explica o historiador da UFPE Severino Vicente.

Wikipedia/Reprodução

Em evidência, o Bairro do Recife experimenta um aumento de relevância simultâneo à dificuldade do porto que sempre acompanha. “O Porto do Recife ainda exerce uma força importante, sobretudo na Região Metropolitana, mas após a criação de Suape, houve uma perda grande da movimentação de carga, não só pela capacidade do novo porto, mas também pela dificuldade de transitar com mercadorias na cidade”, aponta Écio Farias. E, no entanto, a influência de ambos, como mais de quatro séculos já provaram, ainda está longe de deixar a mesma página.

 Construcao da SA Suape Graneis Foto: Edvaldo Rodrigues/DP

Ponto recorrente de desembarque da política e economia locais

Muito antes do potencial turístico, desde séculos anteriores à fundação oficial, em 1918, até os dias atuais, o porto atestou a perenidade da sua influência sobre o Recife. Ao ponto de elevar a cidade ao status de capital da capitania de Pernambuco em detrimento da antiga sede, Olinda. “Antes, Olinda era a sede da riqueza. Os ricos chegavam ao Recife apenas para fazer negócios e retornavam. Com o porto, vem o crescimento do comércio e o Recife torna-se o centro econômico da capitania”, explica o doutor em história Severino Vicente.

Ao ponto que transformou o Recife em capital, o porto também modificou estruturalmente a cidade. Com o intenso fluxo de marinheiros, por séculos, seus arredores eram redutos do chamado “baixo meretrício”, local de prostituição em que muitos visitantes de longe deixavam herdeiros antes do retorno ao mar. Além disso, foi também gerador da urbanização da capital, provocando necessidades como a pavimentação de ruas, construção de estradas de ferro, prédios e armazéns.

A formatação atual do Recife Antigo, por exemplo, muito se deve à relevância exercida pelo porto. A maior parte das construções mais próximas ao mar data do século 20, pois, para o alargamento dos acessos à zona portuária, realizados por avenidas como a Rio Branco e a Marquês de Olinda, foram destruídos prédios, igrejas e outras construções que então “obstruíam” o caminho do progresso. “A partir do surgimento de Suape, o Recife antigo perde muito da sua vida. Vivia-se em torno do porto. De dia, com o comércio, à noite com os bares e zonas de prostituição. Sem movimento, pouco disso sobreviveu”, ressalta Vicente.

Rua do Brum, próxima ao Porto do Recife Foto: Alexandre Gondim/DP

Mais que vetor do desenvolvimento da capital pernambucana, a associação entre o porto e o açúcar também funcionou como porta de entrada do desenvolvimento para a própria Região Nordeste, como afirma a pesquisadora Regina Coeli Vieira, em artigo publicado pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). “A história do Porto do Recife está profundamente ligada ao surgimento e ao desenvolvimento socioeconômico e cultural do estado de Pernambuco e do Nordeste, por ter sido o ponto de trocas de mercadorias e abastecimento das capitanias do Piauí, Ceará, Paraíba, Alagoas e Sergipe”.

João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João Vitor é jornalista formado pela UFPE. Escreve para o Diario desde 2014, com passagem pela editoria de Política.