Pernambuco que recebe o mundo: 10 nomes memoráveis que estiveram no estado

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Darwin odiou o Recife. “É por toda parte detestável”, escreveu em seu diário de bordo. Simone de Beauvoir descreveu a cidade como “uma espécie de inferno”. Já o nobel de literatura Albert Camus, gostou, mas achou quente demais. O filósofo e escritor Jean-Paul Sartre teve uma amante pernambucana famosa e os cineastas Orson Welles e Roberto Rossellini farraram na zona de prostituição da cidade nas décadas de 1940 e 1950. A rainha Elizabeth II foi a uma grande festa em sua homenagem no Palácio do Governo e, na hora de ser apresentada, faltou luz. As experiências e desventuras de grandes nomes mundiais da história política e cultural quase caem no esquecimento, mas os registros dessas visitas passaram a fazer parte da história pernambucana e influenciaram equipamentos e comportamentos locais mantidos até hoje.

1637

Com a missão de “pintar a história”

O pintor e desenhista Frans Post chegou a Pernambuco em 1637, junto com cientistas holandeses de várias áreas trazidos por Maurício de Nassau, governador de Pernambuco. Post trouxe uma mala com objetos utilizados para desenhar esboços de tudo o que via, já que tinha a incumbência de documentar tudo o que pudesse. As gravações seriam utilizadas para que a Companhia das Índias Ocidentais tivesse uma visão geral do que poderia explorar nas terras brasileiras.

De acordo com o professor de História da Arte da UFPE Maurício Rocha de Carvalho, não se sabe onde Post morou ou os pontos exatos por onde ele passou, a não ser por poucas pinturas que realizou, como o quadro em que retrata a Igreja da Sé. As obras, contudo, têm enorme valor de pesquisa. “Tudo o que os holandeses construíram foi destruído quando foram expulsos. Não há a arquitetura deles aqui, por exemplo. Por isso, as imagens de Post nos fazem saber um pouco mais sobre o que existiu naquela época. Se todos os engenhos pintados se parecem, por exemplo, temos uma documentação histórica de como eles eram. E essa documentação é o maior legado do pintor para nossa história”, explica.

Os quadros de Post sobre a região pernambucana apresentam dificuldade de identificação porque não foram realizadas in loco. Quando estava no Brasil, ele se limitava a fazer esboços das paisagens e do ambiente que encontrava. Começou a pintar já quando estava de volta à Europa. Isso se tornou um problema porque ele não lembrava mais onde era cada local – ou simplesmente não registrava. “Denominava os quadros como ‘Um engenho em Pernambuco’ e nós nem sabemos se ele ficava realmente aqui”, explica Carvalho. A dúvida existe porque Post também visitou Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte.

 

1832

Uma visita do “pai da evolução”

Charles Darwin passou por Fernando de Noronha em 1832, fez algumas anotações sobre a sua formação geológica e seguiu viagem, com o objetivo de chegar às ilhas equatorianas de Galápagos, onde passaria quatro anos e obteria recursos para desenvolver a teoria evolucionista. Na volta, em 1836, já navegando em direção a Europa, ventos contrários lhe trouxeram ao Recife, onde precisou passar alguns dias. Ao fim, deu graças a Deus de estar indo embora…

“6 de agosto de 1836. A cidade (Recife) é por toda parte detestável, as ruas estreitas, mal calçadas e imundas; as casas altas e lúgubres. Fui recusado (em Olinda) em duas casas diferentes, de maneira assaz enfezada, e somente com muita dificuldade, permitiram-me, numa terceira, que atravessasse as hortas a fim de ganhar acesso a uma colina não cultivada, a que desejava subir para examinar, do alto, a região. Sinto-me feliz por ter isso acontecido na terra dos brasileiros, pois não sinto por eles nenhuma paixão – terra de escravidão e, portanto, de aviltamento moral. No dia 19 de agosto, deixamos finalmente as costas do Brasil. Dou graças a Deus e espero nunca mais visitar um país de escravos”.

O porto do Recife no século 19, pintado por Emil Bauch.
Navio Beagle (centro) aportou no Recife em 1836. Pintura de Owen Stanley, feita em 1841.

1859

Um imperador em Pernambuco

Em 1859, o imperador Dom Pedro II viajou mais de 2 mil quilômetros desde o Palácio Imperial, no Rio de Janeiro, até Pernambuco. Com a viagem, que continuaria pelo Nordeste, esperava fazer com que seus súditos o vissem e o reconhecessem como soberano e, com isso, se acalmassem, já que à época, muitas revoltas estavam ocorrendo. Não obteve sucesso completo e duas revoltas irromperam na região na década seguinte. Mas o que Dom Pedro II realmente conseguiu foi passar por situações constrangedoras.

Dom Pedro II. Acervo do Museu Imperial

Uma das situações aconteceu porque ele não gostava de “ser rei” e viajava vestido como um burguês comum, de acordo com o professor de História da UFPE Severino Vicente. “Em vez de se endereçar ao imperador, que estava utilizando paletó, o cerimonialista endereçou-se à pessoa mais emperiquitada com adereços reais que encontrou”, conta. O caso aconteceu durante uma cerimônia em Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, em 1859.

O monarca não perdeu a oportunidade de recriminar os pernambucanos, especificamente por desconhecerem a própria história. “Ele não conseguia acreditar que não se arquivava devidamente episódios importantes da construção do Brasil que se passaram no estado. Fazia perguntas sobre a Batalha de Tejucupapo ou a dos Guararapes, por exemplo, e ninguém sabia responder”, afirma Vicente.

O professor ainda ressalta que, antes de ir a Goiana, o imperador passou pelo Recife para visitar o Sítio Histórico Arqueológico e ser homenageado no local em que o Hospital D. Pedro II estava sendo construído. Suas economias pessoais foram utilizadas para viabilizar a obra. O prédio hoje abriga o Imip. Depois do Recife, foi também até Igarassu, mas achou a cidade “morta”, sem importância política, e seguiu viagem. O caminho é lembrado até hoje pelos moradores da cidade, que organizam cavalgadas para repeti-lo.

1930

Eternamente responsável pela lenda dos baobás

Alguns pernambucanos costumam dizer que o baobá localizado na Praça da República, em frente ao Palácio do Governo, serviu como fonte de inspiração para o francês Saint-Exupéry ao escrever O Pequeno Príncipe. No livro, baobás tomam conta do espaço de um dos planetas visitados pelo petit prince. A teoria nasceu pelo fato do escritor ter feito algumas paradas pela cidade quando era piloto do serviço postal, na década de 1930. Contudo, não há fotografia ou registros dessas passagens. Muito menos de que o baobá recifense teria sido refletido na obra de Exupèry, de acordo com o professor de História da Arte da Universidade Católica de Pernambuco Janilto Andrade.

1942

Muito além de um cidadão turistando

O diretor de Cidadão Kane (1941), Orson Welles, passou pelo Recife como se fizesse uma espécie de escala entre Fortaleza e o Rio de Janeiro. Estava filmando um documentário nas duas cidades, tentando repetir, em frente às câmeras, uma história que tinha ouvido falar: quatro jangadeiros saíram do Ceará até a capital do país para entregar uma carta a Getúlio Vargas, pedindo apoio aos profissionais do mar. O roteiro era bom, mas o interesse do cineasta, no final das contas, estava mais focado na zona de prostituição e nos bares da capital pernambucana.

Welles no Recife. Arquivo/DP.

“Welles ficou dois dias no Recife. Hospedou-se no Grande Hotel, onde hoje está o Fórum Thomaz de Aquino, e participou de uma farra que durou uma noite inteira nos cabarés. Estava acompanhado pelo jornalista Caio Souza Leão, o fotógrafo Benício Dias e o poeta Tomás Seixas”, conta o professor de cinema da UFPE Paulo Cunha. A empreitada serviu de pano de funo para o curta-metragem de Lírio Ferreira “It’s a Lero Lero”, gravado em 1994. “Além disso, ele visitou a Meridional Filmes, a principal produtora do estado à época. Assistiu imagens de maracatu e caboclinhos que, dizem, o impressionou.”

Quando Welles chegou ao Brasil, o projeto do documentário dos jangadeiros ainda não existia. Ele veio dos Estados Unidos como parte de uma tentativa de aproximação entre os países latinos e a nação norte-americana. Filmava um documentário chamado “It’s All True”, no qual o episódio dos jangadeiros seria adicionado, mas o projeto foi abandonado. Um dos motivos foi justamente a morte de um dos jangadeiros, quando a embarcação virou na Baía de Guanabara.

1957

Albert Camus está resfriado

A visita do vencedor do prêmio Nobel de literatura de 1957, Albert Camus, durou apenas dois dias, passados praticamente dentro do Grande Hotel, bairro de Santo Antônio. Em seu diário de viagens, mostrou encanto em relação aos conventos olindenses, um dos poucos locais que conseguiu visitar e onde era realizada uma festa popular. Anotou que a dança era uma espécie de “macumba-chique”. “Estava a toda hora cansado, porque havia ficado gripado. No geral, gostou da estadia, mas achou a cidade extremamente quente”, conta o professor de História da Arte da Universidade Católica de Pernambuco Janilto Andrade. “Camus não teve tanta influência em Pernambuco, talvez pela doença. Não tinha ânimo e quase não falou na palestra que deu na Faculdade de Direito do Recife, motivo de sua visita.”

“Positivamente, gosto de Recife, Florença dos Trópicos, entre suas  florestas de coqueiros, suas montanhas vermelhas, suas praias brancas”

Albert Camus

Escritor

1958

Casa-Grande & Senzala que nunca saiu do papel

O cineasta italiano Roberto Rossellini veio a Pernambuco em 1958 com o desejo de realizar um filme. Já extremamente famoso como principal nome do neorrealismo italiano, chegou ao estado com intenção de realizar uma adaptação cinematográfica do livro Geopolítica da Fome, de Josué de Castro. Conseguiu a permissão – e a empolgação – do autor do livro, visitou possíveis locações, mas o filme nunca saiu do papel. Segundo o professor de cinema da UFPE Paulo Cunha, por questões de produção.

Por outro lado, o diretor aproveitou ao máximo a visita conversando com intelectuais e participando de grandes farras na zona de baixo meretrício da cidade. A visita foi recepcionada pelo poeta Carlos Pena Filho, que pode ser visto ao lado do cineasta em uma fotografia tirada na casa de Gilberto Freyre, em uma visita regada a licor de pitanga. Na visita, chegou a prometer filmar Casa-Grande & Senzala. “Havia algo de provinciano e subalterno em relação a Rossellini por parte dos pernambucanos. Sabe esse valor que precisamos que os outros nos deem? Pensavam ‘ele vai fazer um filme aqui’ e aí ele estava nos jornais o tempo inteiro”, conta o professor.

Freyre, Pena Filho, Rossellini e Di Cavalcanti.

Apesar de o filme não ter sido realizado, a visita foi fértil no campo da crítica cinematográfica pernambucana. “Na época, havia um grupo que defendia a estética do neorrealismo, mais humana, e outro que defendia o cinema americano. A visita aqueceu a discussão e a pesquisa.”

1960

Entre políticas e amores

Convidado para o I Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária, Sartre desembarcou no Recife em 1960. Mas os pesquisadores acreditam que ele e Simone de Beauvoir – com quem mantinha um casamento aberto – vieram muito mais por questões políticas. Em solo recifense, Simone foi diagnosticada com febre tifoide e Sartre encontrou uma amante pernambucana.

Sartre após palestra em Congresso de Crítica Literária no Recife. Arquivo/DP.

Assim que chegaram, almoçaram no restaurante Buraco da Otília, na Rua da Aurora. O casal, mas principalmente Sartre, estava em todos os jornais e, uma das jornalistas que cobriam a visita acabou tendo um affair com o filósofo. Era Cristina Tavares, antes de se tornar deputada federal. O caso foi comentado por Simone de Beauvoir nas cartas que trocava com um de seus amantes: “Passamos uma noite louca, ela quebrou copos com as mãos nuas e sangrou muito, dizendo que ia se matar porque amava e odiava Sartre e nós íamos embora no dia seguinte. Dormi na cama dela, segurando-lhe o braço para impedi-la de se atirar pela janela”. A carta foi publicada no livro “Cartas para Nelson Algren”.

“Enquanto eu jazia no meu leito de dor, ele passeava com ela”

Simone de Beauvoir

Escritora

Para o professor de História da Arte da Universidade Católica de Pernambuco Janilto Andrade, as questões pessoais da visita são secundárias quando colocadas frente ao legado filosófico e literário. “Recife vivia um clima de intelectualidade muito forte naquele momento. A visita alimentou isso como seiva. A cidade foi sacudida, se sentiu a tal. Além disso, éramos um foco político, com Miguel Arraes como prefeito. E Sartre, por sua vez, havia definido que o papel da literatura é participar politicamente da produção da sociedade. Foi uma efervescência política e intelectual.”

1968

Rainha à luz de velas

A Rainha Elizabeth II chegou ao Recife, em 1° de novembro de 1968, e foi recepcionada na Base Aérea e seguiu em carro aberto até o Palácio do Governo para uma festa com 180 personalidades. E faltou energia. Justamente no momento em que a monarca – em vestido com detalhes em verde e amarelo – era apresentada ao público. O evento continuou à luz dos candelabros até o momento em que, para dar seguimento à agenda, ela partiu em direção ao Porto do Recife.

Na capa do Diario de Pernambuco do dia seguinte, uma foto mostra a comitiva passando em frente ao antigo prédio do jornal, na Praça da Independência, uma reverência ao ex-presidente do jornal, Assis Chateaubriand, ex-embaixador brasileiro em Londres. A reportagem diz que a rainha também levou um pouco do Recife com ela. Elizabeth II ncomendou 300 abacaxis às Indústrias Alimentícias Maguary, que as enviariam de avião pela extinta companhia Varig. A inglesa também levou o quadro Sombra Verde de Lula Cardoso Ayres de presente, pois ficou interessada olhando-o, à luz de velas, na festa do Recife. A Rainha ainda voltou ao Recife 18 dias depois, mas ficou o tempo todo a bordo do seu iate Britannia.

Banquete preparado para a Rainha. Arquivo/DP.

A visita, contundo, foi bastante rápida e não possui muitos registros. “Foi rápida e teve intenção apenas de referendar a ditadura. Algo como um circo. Se não foi só isso, pode-se dizer também que a vinda foi um gesto de cortesia, para tentar colocar o Brasil no circuito da política internacional”, explica o professor de História da UFPE Severino Vicente. “As joias da coroa inglesa também tiveram repercussão ao ficarem exposta no Banco Central, no bairro do Recife. As pessoas faziam fila para ver.”

o trajeto feito pela Rainha em carro aberto

pessoas foram às ruas para vê-la

1980

O papa-mamão

Em 1980, o papa João Paulo II rezou uma missa para mais de 500 mil pessoas do Viaduto de Joana Bezerra, na zona central do Recife. Chegou pouco antes da missa e, logo após, fez um percurso em carro aberto, dormiu no Palácio dos Manguinhos e partiu no dia seguinte. O café da manhã que antecedeu a partida foi disponibilizado pela Casa dos Frios e tinha, entre outras opções, mamão. O papa gostou tanto da fruta que passou vários anos importando mamão, principalmente depois que levou um tiro que feriu o seu intestino. A fruta ajudava a digerir melhor os alimentos.

Tudo correu como planejado pela Arquidiocese de Olinda e Recife (AOR), mas o clima da visita foi muitas vezes tenso, com a AOR sendo comandada por dom Helder Camara, persona non grata da Ditadura.“Para se ter uma ideia, no Palácio do Governo havia uma maquete do altar que seria utilizado, mas o arcebispo não entrava lá de jeito nenhum. Tiveram que levar a maquete para o Palácio dos Manguinhos, residência oficial dos arcebispos, para que ele a checasse”, revelou o cerimonialista da AOR à época, padre José Augusto Rodrigues. A disputa ainda aumentou porque o tema da missa foi a questão agrária e o papa chegou a colocar na cabeça um chapéu de trabalhador rural.

Rodrigues, que era íntimo de Dom Helder Camara, ainda lembra que recebeu a ordem de não gastar dinheiro com a visita. Os únicos gastos foram o conserto da cadeira utilizada e uma toalha. O resto foi conseguido com as paróquias. No quarto simples em que o papa dormiu, foi adicionado apenas um genuflexório, estrutura para que os fiéis ajoelhem-se para rezar, ainda hoje guardado com carinho pelo padre. À noite, uma longa conversa entre Camara e João Paulo aconteceu e muitos dizem que o diálogo foi gravado pelos militares por meio de escutas secretas,  nunca confirmadas.

1969

Bônus

Quando voltava da estreia do filme Medea (1969), em Buenos Aires, o cineasta Pier Paolo Pasolini precisou fazer um voo de emergência no Recife, então em obras. A imprensa não ficou sabendo e o incidente poderia ter sido esquecido, não fosse um poema sobre o momento que o italiano escreveu para passar o tempo.

Comunicado à ANSA (Pier Paolo Pasolini)

Como é notícia de jornal, começa
com um pouso de emergência no Recife.
Aqui chove; no aeroporto em construção, passando
em frente a um grupo de operários que trabalham, olhos
se erguem para os passageiros
É assim que o Brasil me saúda
E retribuo a saudação com meu coração burguês
que já sabe o que vai receber por aquilo que dá.

Paulo Trigueiro

Paulo Trigueiro

Repórter