Os números do milagre da concepção artificial

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Casais com dificuldade de engravidar precisam encarar calculadoras não apenas para estimar investimentos, mas para compreender chances de conceber

 

Cinco por cento. Esta era a chance da bacharela em direito Taciana Lira engravidar. Aos 31 anos, tinha acabado de detectar falência ovariana precoce. Antes disso, tinha passado por uma cirurgia, tratamentos hormonais, inseminação artificial e duas fertilizações in vitro. Partiu para a última tentativa: mais uma fertilização. Naquele momento, só os 5%, um dos tantos números e probabilidades encaradas em seis anos tentando engravidar, traziam esperança. “Era melhor do que 0%”, pensava. Meses depois, trouxe a filha Mariana ao mundo. A emoção logo virou surpresa. Mariana ainda era um bebê de colo quando Taciana descobriu uma nova gravidez, dessa vez, sem nenhum tratamento. Até a gestação inesperada de Valentina, “o milagre”, Taciana tinha confiado aos médicos e laboratórios o sonho de ser mãe. Nunca esteve sozinha. Só em 2015, 35,6 mil ciclos de fertilização in vitro foram realizados no Brasil, 946 deles em Pernambuco. Com taxas de sucesso variadas, os métodos de reprodução assistida são banhados de incertezas, desafios éticos e até mesmo casos surpreendentes para a medicina.

é o número máximo de embriões permitidos na fertilização de uma mulher até 35 anos

é o número máximo de embriões permitidos na fertilização de uma mulher de 35 a 40 anos

ou mais embriões, dependendo do caso, podem ser implantados em mulher acima dos 40 anos

Entre as técnicas de reprodução assistida mais comuns estão a inseminação artificial, quando o espermatozoide é inserido no útero, facilitando a fecundação, e a fertilização in vitro, quando a fecundação do embrião é realizada em laboratório e, alguns dias depois, ele é inserido na mulher. Nesta última, os embriões são analisados e aqueles que melhor se desenvolvem são os “escolhidos” para a viagem até o útero. O sucesso de cada procedimento depende de inúmeros fatores, entre eles a idade da paciente, qualidade dos espermatozoides e a condição do útero. O valor do procedimento, mais efetivo em casos complexos, pode chegar a R$ 30 mil.

Dado custo elevado e a própria dificuldade em conceber, na maioria das vezes mais de um embrião é inserido no útero, o que possibilita o nascimento de mais de uma criança numa mesma gestação. “No Brasil, a legislação só permite que até dois embriões sejam colocados em mulheres abaixo de 35 anos. Esse número sobe para três entre 35 e 40 anos e quatro ou mais, acima dos 40”, explica a especialista em reprodução humana e diretora médica da clínica Geare, Madalena Caldas. Dessa forma, em até uma em cada cinco mulheres, a partir dos 35 anos, que recebem três embriões fertilizados podem gerar gêmeos. No caso de trigêmeos, essa chance pode chegar a uma em cada dez inseminações.

Taci Lira / Arquivo Pessoal
Em alguns casos, como o da primeira tentativa de Taciana, nem mesmo um folículo embrionário é encontrado. “Após seis anos tentando, eu já estava emocionalmente abalada, estávamos perto de jogar a toalha”, lembra a bacharela. A concepção “normal” da segunda filha de Taciana, encarada como um milagre por alguns, pode ser justificada por uma série de fatores para o phd em reprodução humana e professor da Universidade de Pernambuco Aurélio Molina. Ele acredita que mudanças hormonais, imunológicas ou mesmo emocionais podem contribuir. “Existem muitos casos no qual a gravidez modifica completamente o corpo da mulher. Mesmo que a criança não nasça de forma normal, você terá alterações profundas no sistema imunológico”.

Os primeiros quíntuplos inseminados do país

 

 

 

 

 

 

Os primeiros quíntuplos gerados em reprodução assistida no Brasil são pernambucanos. Andréa, Débora, Filipe, Lucas e Marcos Cavalcante Belfort nasceram em junho de 1999 e hoje, aos 17 anos, revelam que nunca tiveram dificuldades em dividir as atividades entre eles. O fato terem nascido ao mesmo tempo já não é tão surpreendente para colegas e conhecidos. O mais impressionante para quem acompanha a situação de fora é a companhia constante que fazem uns aos outros, seja na escola, igreja ou na hora de praticar esportes. “Eu, Andreia, Lucas e Marcos já fizemos judô juntos, também já competimos no mesmo time em campeonatos de futsal, os meninos”, explica Filipe.

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é a chance máxima de uma mulher com três embriões inseridos gerar gêmeos

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é a chance máxima de uma mulher com três embriões inseridos gerar trigêmeos

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é a chance máxima de quádruplos (considerando a chance de um embrião se dividir em dois)

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é a chance máxima de quíntuplos (1 a cada 500 mulheres que fazem o procedimento com 3 embriões)

Na infância, o maior problema era fazer os colegas de sala acreditarem no parentesco inusitado. “Às vezes, pensavam que éramos dois irmãos gêmeos e três primos”, lembra o garoto. “Alguns professores já chegavam na sala perguntando se aquela era a turma dos quíntuplos”, comenta Marcos. Orientada por uma das escolas onde estudaram, a família chegou a separar as crianças de classe no colégio. O procedimento é sugerido por alguns psicólogos, que apontam a separação no ambiente escolar como uma forma de prover autonomia. A iniciativa não deu certo, porém, para a família Belfort: os irmãos conseguiam fazer amigos diferentes e ainda estudavam melhor quando estavam juntos. “Tentamos por dois anos, mas depois eles voltaram para a mesma turma”, explica a mãe, a advogada Ana Cristina Belfort.

Aproximando-se da maioridade, porém, os cinco devem tomar rumos diferentes. Agora, aguardam o resultado do Enem, uma janela aberta para as diversas profissões que podem seguir pelo resto da vida e nem todos escolheram o mesmo caminho profissional. “A gente esperava que isso fosse acontecer, agora é hora de cada um tomar seu rumo, mas esperamos continuar sempre unidos”, afirma Débora. Agora, resta aos quíntuplos o costume com uma caminhada independente, mas nunca solitária.

Milagres múltiplos também via SUS

 

 

 

 

 

 

 

Para a dona de casa Hildeane Carneiro, 39, e o metalúrgico Valmir Silva, 34, a rotina de cuidar de quíntuplos é apertada. Vitória, Alice, Heloísa, Helena e Valdemir completaram um ano e cinco meses e os moradores do Cabo de Santo Agostinho mal têm tempo de atender o telefone na correria do dia a dia. Os desafios cotidianos são reportados nas redes sociais, que documentam o crescimento dos filhos. “Muita alegria, muita saúde e muita, mas muita energia”, brinca Valmir em uma das publicações diárias, acompanhadas por centenas de amigos e curiosos. Diferentemente da maior parte dos casos de inseminações múltiplas, a fertilização in vitro feita por Hildeane após cinco anos de tentativa foi completamente gratuita, realizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Imip.

A atenção da unidade de saúde à reprodução humana começou em 2004, em parceria com uma clínica particular da cidade. As técnicas de reprodução assistida com o SUS, porém, foram iniciadas em 2009, contando com oito médicos, dois biomédicos, um enfermeiro e dois embriologistas, além de uma equipe de psicólogos e assistentes sociais para ajudar nos casos. Na época, 1490 casais foram inscritos para passar pelo processo.

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é a chance de sucesso em caso de inseminação artificial

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é a chance de sucesso em casos de fertilização in vitro

mil reais é o valor médio de uma inseminação artificial

mil reais é o valor médio de uma fertilização in vitro

O procedimento que deu origem aos quíntuplos, realizado em Hildeane no começo 2015, no entanto, foi um dos últimos feitos pela instituição, que fechou o departamento em 2016 por falta de verba. Ao todo, foram 105 gestações bem-sucedidas, 301 fertilizações in vitro e 30 inseminações artificiais. O fim da clínica, que gastava cerca de R$ 11 mil por paciente atendido, foi motivo de lamento para especialistas. “O valor desses procedimentos também é um desafio ético, afinal, você está privilegiando um segmento da sociedade”, explica Molina.

 

 

Reprodução assistida esbarra em dilemas éticos

 

 

 

 

O avanço de tecnologias relacionadas à reprodução assistida permite até mesmo a concepção de crianças por mais de dois pais ou a geração do bebê por uma mulher diferente da doadora de óvulos (que, neste caso, só pode ser realizado por uma parente de até segundo grau da mãe ou pai do bebê). O delicado desafio de lidar com esses tipos de gestações, compartilhada por mais de um pai ou gerada por pessoas acima dos 40 anos, traz a necessidade de regras e fiscalizações médicas.
Para analisar estes casos, a Câmara de Bioética do Conselho Regional de Medicina foi formada. “Nosso papel é analisar cada pedido, chamar os pacientes, o colega médico e explicar os riscos daquela situação”, explica Aurélio Molina. Cerca de 20 casos são analisados anualmente em Pernambuco. No estado, boa parte das análises realizadas são referentes à geração de uma criança por pais homoafetivos (que implicam em um “útero emprestado”) e na fertilização de mulheres idosas, com mais complicações de saúde na geração de filhos. “Engravidar cedo é um problema do ponto de vista socioeconômico. Se encararmos a recuperação e o trauma, é muito melhor”, explica.

No exterior, os dilemas éticos chegam a outro patamar: a criação de “seres humanos ideais para os pais”, podendo determinar o sexo do bebê, cores dos olhos, pele e até mesmo do cabelo. No Brasil, a escolha do sexo do bebê durante o procedimento in vitro é proibida pelo Conselho Federal de Medicina desde 2010. A atividade consiste em retirar e analisar as células do embrião ou submetê-lo a um processo de imunofluorescência para diferenciá-los e selecionar apenas o desejado. Nos Estados Unidos, um dos poucos países onde a ação é permitida, clínicas de fertilidade chegam a cobrar U$ 20 mil (cerca de R$ 65 mil) pelo procedimento.

A biópsia do embrião só pode ser feita no país se a família tiver histórico de doenças relacionadas ao gênero, como a hemofilia, que só ataca homens. “Isso é considerado um agravo ético, até mesmo uma forma de preconceito. Você pode desequilibrar o balanço da sociedade”, defende Molina.

Primeiro bebê de proveta do mundo nasceu em 1978

O primeiro bebê decorrente de uma fertilização in vitro do mundo foi a inglesa Louise Brown. A notícia foi destaque no Diario de Pernambuco do dia 27 de julho de 1978. Um dos fatores mais surpreendentes para especialistas – além do nascimento da menina – foi que ela conseguia ser amamentada pela mãe.

No país, a forma mais próxima de poder escolher o sexo da criança é a seleção de espermatozoides antes da fecundação. Enquanto os responsáveis por fecundar bebês do sexo masculino são identificados por serem mais ágeis. Eles podem ser submetidos a um processo de centrifugação e divididos entre essas duas categorias, sempre antes da fecundação em um óvulo. O processo aumenta as chances da gravidez de um sexo determinado, mas pode não ser totalmente eficaz.

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Lorena é estagiária do Diario de Pernambuco desde maio de 2016