Tricolor, onde você estava em 28 de julho de 1993?

Confrontos entre Náutico e Santa Cruz sempre mexem com os nervos, não é à toa que os chamam de Clássico das Emoções. E os dois se encontram, novamente, na disputa por um lugar ao sol na série A, a tão sonhada elite do futebol. É algo que mexe com lembranças antigas, especialmente para os tricolores, os mais penalizados no futebol pernambucano, desde que sucumbiram para a série D e viveram um martírio para chegar a esse momento, ocupando a 4ª posição na série B.

No embate versão 2015, quem comandou a equipe do Santinha, como os torcedores chamam, foi Marcelo Martelotte – o mesmo que fechou o gol na histórica final de 1993, quando o clube alvirrubro só precisava de um empate para vencer o campeonato. Só de um empate no primeiro tempo, o que não aconteceu. O Santa venceu o jogo de virada, com um jogador a menos, e levou a prorrogação no zero a zero, debaixo de forte chuva. Sim, chovia. Era como se o céu chorasse em cima de 71 mil torcedores. Ambos os lados choravam.

A lembrança daquele clássico inesquecível nos fez levantar uma questão emocional: onde você, tricolor, estava naquele 28 de julho de 1993?

A pergunta surgiu a partir de um diálogo de dois tricolores numa mesa de bar, numa terça-feira de outubro, num debate acalorado entre uma mulher e um jovem, quase um bebê para ela. Digo quase, porque ele começou a falar sobre aquela partida, sobre a expulsão de Washintgon e soltou a voz, com tristeza: “eu só tinha um ano!”.

O rapaz chama-se Afonso Bezerra, é estagiário da editoria de Local do Diario e conhece todos os detalhes daquele clássico sem ter visto, sem ter estado lá. Ela, a mesma que escreve esse texto, tinha acabado de completar 22 e começava a frequentar os estádios de futebol ao lado dos pais, tendo atualmente 41 anos – muito prazer.

Foi um choque de gerações e emoções que decidimos compartilhar com o leitor e torcedor do Santa Cruz. Sim, esse é um texto escrito especialmente para os tricolores das bandas do Arruda, por isso, peço aos alvirrubros que não se chateiem.

Naquele 28 de julho de 1993, na metade do segundo tempo do clássico, grande parte dos tricolores estava indo embora do estádio, cabisbaixos. Alguns pegariam ônibus lotado, outros mergulhariam as mágoas num copo de cerveja, outros desapareceriam no ar. Então, queremos saber: onde você estava?

É raro um tricolor que não tenha uma história para contar sobre aquele clássico.

O Náutico abriu o placar com Paulo Leme aos 39 minutos do primeiro tempo e só precisava de um empate. Só que o inesperado aconteceu: Fernando, o camisa 10, dá um chute quase do meio do campo, aos 38 minutos, e a bola balança a rede, a do lado da Avenida Professor José dos Anjos (a do canal). Logo depois vem Célio e vira o jogo aos 44 minutos, 2 a 1. O estádio veio abaixo, diante dos olhares perplexos da torcida alvirrubra, que já comemorava o título.

Chovia. Chovia.

O Passat que era um fusca

O supervisor Marcílio Bezerra, hoje com 37 anos, sempre se emociona quando fala sobre aquele jogo. Marcílio atualmente mora no Espírito Santo, mas sempre acompanha todas as notícias do Satinha. Ele tinha 15 anos, na época, foi levado ao campo pelo pai, José Rodrigues, que era alvirrubro. Os dois foram num Passat ano 1981, ao lado de mais cinco amigos. O carro parecia um fusca lotado, mas os torcedores se dividiram. O pai de Marcílio foi para a torcida do Náutico, ele, para o anel superior do Arruda, do lado da Rua das Moças. “Eu acordei cedo, me arrumei com o manto, comprei uma bandeira. Entramos no estádio eufóricos, histéricos, mas saímos quando o Santa começou a perder. Fomos para um bar lá perto da piscina, mas eu estava muito agoniado, porque continuei ouvindo o jogo pelo rádio. Só ouvi assim, acho que era assim: o cara furou o zagueiro, bateu Célio, gooooooooooool”. “A primeira pessoa que abracei foi Onildo, conhecido como doido”.

Marcílio conta que, logo depois de ouvir o locutor, ele e os amigos “invadiram” o Arruda, subiram para as cadeiras e viram o restante do jogo lá, toda a prorrogação. “Meu pai quase me deixou no estádio”, contou. Ao ser indagado se pulou na piscina, como é tradição, ele respondeu: “Não precisava. Eu já estava todo molhado”.

A torcedora do varal tricolor

Ana Maria tinha 41 anos no dia do clássico inesquecível, hoje está com 63. É uma das mulheres do Arruda que não sobe nas arquibancadas. É conhecida por pertencer à “turma do varal”, fica grudada lá no barra de ferro que cerca o estádio, perto do gramado e dos jogadores. Estava com vários amigos naquele dia, numa alegria só, e não arredou o pé do estádio, mesmo com a vantagem do Náutico, que ganhava de 1 a 0 no primeiro tempo. “Santacruzense nunca perde a esperança. Hoje, quando fecho os olhos, vejo aquela massa coral se regozijando, chorando, se abraçado. Foi tudo maravilhoso”.

Ana Maria conta que, no gol de Célio, houve um abraço coletivo das pessoas que estavam próximas. “Eu chorava copiosamente. Lembro de um senhor idoso que estava no meu lado, caladinho, durante aqueles momentos tristes, mas, na hora da comemoração, ele começou a chorar e nos abraçar gritando: “esse é o meu Santinha! É o meu Santinha!”, contou Ana Maria para acrescentar. “O apito final foi um verdadeiro orgasmo tricolor”.

A esposa que leva o Santa Cruz

Adriana Costa casou-se no dia 10 de dezembro de 2011. O que isso tem a ver com o Santa? Tudo. Ela entrou na Igreja com uma bandeira do Santa Cruz, deslumbrada com aquele momento eterno, cercada de amigos tricolores. Ela era uma das torcedores que estava no estádio no dia 28 de julho de 2013. Foi com o pai, Ademildo Cavalcante, com quem aprendeu a amar o Santinha. “Nunca vou embora antes do jogo terminar. Sempre acredito até o final”, diz Adriana, lembrando que estava nas cadeiras naquele clássico. “Foi uma emoção sem igual. Só entende quem torce pelo Santa. Chorei de emoção”, lembra ela, interrompendo a entrevista para cuidar do seu bebê, que se chama Davi, tem um ano e três meses, e já canta “pá pá pá pá”.

O torcedor campeão do mundo

O advogado Esequias Pierre é de Vertentes, no Agreste de Pernambuco. Era torcedor do Santa Cruz desde pequeno, sob a influência do irmão mais velho, Carlos Átila, 36 anos. Ele e o irmão eram praticamente estranhos no ninho, porque muitos conterrâneos torciam por times do Sul e Sudeste do país, viam jogos por antenas parabólicas. Esequias, não, sempre rebelde, nunca foi igual à maioria. O jovem, hoje com 32 anos, começou a frequentar os estádios a partir de 1994, um ano depois do clássico inesquecível, mas ouviu toda aquela emoção de 1993 pelo rádio. Tinha 11 anos, na época, e estava ao lado do irmão.

A voz nervosa dos locutores, que já cantavam a vitória do Náutico antes do tempo, foi inesquecível. “Eu estava em casa, os locutores falavam que a torcida do Santa já estava deixando o estádio, dava uma tristeza. De repente… eu não conseguia mensurar aquilo que estava sentindo. Para mim, era como se meu time estivesse sendo campeão do mundo pela importância que aquilo estava tendo”, falou, com a voz grave, mas trêmula. Parecia que era ontem.

Minha vez

 

Eu estava no estádio do Arruda no dia 28 de julho de 1993, três degraus abaixo da minha família, na arquibancada, com a camisa molhada da chuva. Andava de um lado a outro e precisava de espaço, queria ficar sozinha, bater o pé, gritar, chorar.

 

Estava apaixonada por um jogador, o meio de campo Fernando, coisas tolas da juventude. Jurava que ele ouvia meus gritos de “vai, Fernando”, da arquibancada.

 

Achava Fernando um craque, era uma admiração fora do normal, aquele cabelo de Sansão… Quando Fernando fez o gol de empate, eu não acreditei, mas sabia que não era suficiente. Chorei todas as lágrimas que alguém pode derramar, um rio. Mas então veio o gol de Célio, o pequeninho, que ressuscitou até quem estava morto e fez os ônibus pararem para os torcedores darem meia volta. Do final do segundo tempo até o minuto final da prorrogação, não parei de pular. Vi a torcida invadir o estádio, o time dar a volta olímpica, o céu se abrir em bênçãos. Minha família nunca deixa o estádio antes do jogo terminar. O jogo só acaba quando termina.

Ficha Técnica
Santa Cruz: Marcelo, Araújo, Júnior Cordel, Reginaldo e Quinho; Mazo
(Célio), Serginho e Fernando; Marcelinho (Gil), Washington e Marcelo.
Técnico: Charles Muniz

Náutico: Paraíba, Cafezinho, Lúcio Surubim, Parreira e Baiano;
Cléber, Borçato (Edílson) e Paulo Leme; Newton (Niquinha), Mário
Carlos e Lau.
Técnico: Luciano Veloso.

Dados da partida
Árbitro: Wilson de Souza Mendonça
Auxiliares: João José Venceslau e Waldomiro Matias
Renda: Cr$: 7.001.880.000,00
Público: 71.243 pagantes
Gols:  Paulo Leme (Náutico); Fernando e Célio (Santa Cruz).
Expulsão: Washington (Santa Cruz)
Cartões Amarelos: Cafezinho e Borçato (Náutico); Marcelo, Araújo,
Fernando e Marcelo (Santa Cruz)

Fonte: É gol do Santa

Aline Moura

Aline Moura

Editora assistente de produção de Política

Ela cresceu torcedora do Santa Cruz pela influência do pai, conhecido como Toy, cuja casa é um verdadeiro santuário do time santacruzense. Sua mãe foi psicóloga do Santa nos anos de 1983 e 1999.