Novo Recife e a fotografia analógica que resiste ao tempo
Prédio que um dia foi ponto de encontro de fotógrafos continua a ser indicação para quem busca se iniciar na fotografia analógica
Quase tudo pode ser encontrado no Centro do Recife, inclusive, resquícios do passado. Por trás do Cinema São Luiz, a poucos metros da Avenida Conde da Boa Vista, é possível entrar no Novo Recife, local que não faz completo jus ao seu nome. A construção de dois andares aparece como um resgate às décadas de 1970 e 1980 bem no meio da cidade.
Na contramão dos eletrônicos pirateados vendidos a poucos metros dali, o espaço comercializa desde discos de vinil e Cds raros até carimbos personalizados, passando pelas resistentes assistências técnicas e lojas de câmeras analógicas e digitais, serviços que caracterizavam tanto o espaço anteriormente que batizaram o local como Beco do fotógrafo.
“O que era conhecido como Beco do fotógrafo de verdade era o que ficava aqui atrás. As pessoas negociavam, vendiam e compravam câmera. Hoje, o que resta do beco é o nome e umas pessoas que vez ou outra vendem lá fora”, explica o técnico em cinefoto Hideraldo Almeida, que trabalha numa assistência técnica no Novo Recife há 30 anos.
Ele, que já trabalhou com venda de filmes e equipamentos, hoje está restrito ao conserto de câmeras, analógicas e digitais. “Eram pouquíssimas pessoas que faziam cinefoto. Já ganhei muito dinheiro aqui. Hoje o movimento é mais tranquilo”, lembra.
Dono de outra loja, Gregori Ronne também está no local há três décadas na Astefilm, assistência que também é o local com mais câmeras analógicas para vender no beco do fotógrafo. O espaço, que já teve o nome “Olyshica” (combinação das marcas Olympus e Yashica) e “Nicanshika” (Nikon, Canon e Yashika), era de propriedade do seu tio, Luiz Barreto, falecido há dois anos.
“Antes de eu vir trabalhar aqui o espaço já funcionava na Rua da Imperatriz, há uns 50 anos”, lembra Ronne. Mesmo com o pessimismo de alguns que trabalham no ramo, Ronne não acha que o movimento tenha mudado drasticamente com o tempo. “A área de fotografia continua praticamente a mesma, o que mudou foi a tecnologia”, diz. Ele atribui a variedade da sua loja (estima que tenha mais de 5 mil equipamentos) ao fenômeno da “descartização” dos objetos. “As tecnologias tornam os equipamentos mais descartáveis. Às vezes chega alguém aqui com uma máquina que caiu na água e parou de funcionar, o conserto fica tão caro que a pessoa prefere investir num equipamento novo”, explica.
Apesar de ainda ser ponto de referência, o Novo Recife já não tem tantas lojas quanto nas décadas anteriores. No Beco do fotógrafo “oficial”, apontado por seu Hideraldo, não há nem sinal dos tempos áureos, apenas alguns restaurantes, óticas e estúdios de tatuagem dominam o espaço. O único favor que o tempo fez ao local foi dar experiência aos poucos vendedores que ainda restam, com assunto suficiente para horas de conversa.
A escassez de material é um dos obstáculos para quem tenta fotografar
Um desafio de manter-se com a fotografia digital é a compra de filmes. Desde 2010, marcas como Kodak e Fuji pararam de produzir as películas. No Recife, a busca se restringe a uma loja na Avenida Conde da Boa Vista, próxima ao Beco do fotógrafo, e outras poucas no Centro da cidade. A escassez do produto já reflete no bolso dos – poucos – consumidores.
“Comecei a fotografar em 2013 e comprava por R$ 15, hoje compro o mesmo de 36 poses por R$ 30”, afirma o estudante Felipe da Silva, que iniciou sua relação com o mundo analógico ao começar um curso de comunicação social na Universidade Federal de Pernambuco. Hoje, opera uma câmera da marca alemã Praktica e frequenta o Beco do fotógrafo.
Como revelar fotos em casa?
Alguns cursos independentes e até mesmo universidades da Região Metropolitana do Recife trabalham com as películas, muitas vezes só para nível de conhecimento, já que é necessário um grande envolvimento dos aprendizes para lidar com a arte de ponta a ponta. “Apesar da fotografia analógica ser mais acessível do que a digital, porque é mais barata, é preciso que o estudante domine todo o processo de revelação, que é mais complexo”, explica a professora e fotógrafa Valéria Gomes.
Para a fotógrafa Valéria, porém, é só uma questão de tempo até as pessoas percebam a funcionalidade da fotografia analógica. A vulnerabilidade do armazenamento das fotos digitais e o relacionamento afetivo com a arte da revelação são alguns dos motivos. “Daqui a alguns anos, com a fragilidade da tecnologia, as pessoas vão terminar perdendo fotografias familiares, acho que a foto analógica vai retornar com outro sentido: de memória familiar, de registro”, justifica a professora, lembrando do Beco do Fotógrafo. “Era lá que a gente comprava filmes e que quem não tinha laboratório em casa revelava fotos”.
Lorena Barros
Repórter
Estudante de jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco. Amante da fotografia, ainda que se arrisque pouco nos cliques.