Moro no interior e estudo no Recife: o desafio quem “dá duas voltas ao mundo” no trânsito para se graduar

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Normalmente de van ou de ônibus, estudantes enfrentam viagens intermunicipais diárias que lhe tomam um mês e meio por ano apenas em deslocamentos antes de se formar

 

 

Cerca de 40.000 km por ano – ou mais de meia volta ao mundo. Cerca de 1.000 horas anuais gastas dentro de um veículo. Centenas de noites mal dormidas. A realidade comum aos estudantes que precisam sair de municípios do interior para estudar na capital pernambucana se repete, em especial, no caso de quem precisa utilizar gratuitamente os ônibus disponibilizados pelas prefeituras de suas cidades. Entre os municípios que mais enviam estudantes à capital, o trajeto Carpina-Recife é um dos que se destaca. São 1,5 mil estudantes deslocados com objetivos acadêmicos, distribuídos em um total de 12 veículos disponibilizados. Paudalho também transporta, em seus 10 veículos, um grande número de alunos, cerca de 500 estudantes, para a Região Metropolitana. Limoeiro soma-se a esses números oferecendo 3 ônibus para pouco mais de 100 pessoas, que, por dia, se deslocam no trajeto Limoeiro-Recife.

Proporcional às longas viagens são os desafios diários. “Acordo às 4h30, faço algumas atividades domésticas e às 5h15 eu já preciso ir pra fila do ônibus, porque se eu chegar 2 minutos depois, deixo de ir sentada. A mensalidade de um transporte privado custa quase metade de um salário-mínimo. Diante disso, por questões financeiras, opto pelos ônibus municipais“, afirma Josiane Farias, graduanda na Universidade de Pernambuco (UPE), acrescentando que os sacrifícios para fazer os longos trajetos diariamente exigem muita dedicação e força de vontade, mas há motivação suficiente para pagar o preço. “Vale a pena porque a causa é estudar. Temos a oportunidade de estar numa universidade e são poucas as pessoas que conseguem. Precisamos dar valor. É sobre fazer o que gosta e ir atrás do que sonha”, completa.

mil horas é a média gasta pelos estudantes de Carpina, Paudalho e Limoeiro para chegarem ao Recife em um ano

mil quilômetros são percorridos, em média, por cada estudante dessas cidades em um ano inteiro

Josiane Farias, graduanda na Universidade de Pernambuco (UPE), desabafou sobre a sua rotina. “Acordo às 4h30, faço algumas atividades domésticas e às 5h15 eu já preciso ir pra fila do ônibus, porque se eu chegar 2 minutos depois, deixo de ir sentada. A mensalidade de um transporte privado custa quase metade de um salário-mínimo. Diante disso, por questões financeiras, opto pelos ônibus municipais“, contou, acrescentando que os sacrifícios para fazer os longos trajetos diariamente exigem muita dedicação e força de vontade, mas há motivação suficiente para pagar o preço. “Vale a pena porque a causa é estudar. Temos a oportunidade de estar numa universidade e são poucas as pessoas que conseguem. Precisamos dar valor. É sobre fazer o que gosta e ir atrás do que sonha”, completa.

O preço, às vezes, é alto. Devido à rotina pesada, o cansaço acaba sendo o principal inimigo na conclusão dos estudos. “O maior desafio é administrar o sono porque ou você dorme ou você desenvolve a vida acadêmica. Não consigo descansar o que eu queria”, declara Vanessa Lopes, também de Paudalho e estudante da UPE. Mas, por vezes, a dependência da questão do transporte acaba gerando mais cansaço por situações estruturais. Entre os estudantes que enfrentam as longas jornadas nos coletivos oferecidos pelos municípios, o assunto mais falado é a superlotação. Os ônibus são disponibilizados apenas para estudantes, porém, devido à falta de fiscalização, muitos pegam “carona” e acabam tirando o lugar dos alunos, além de causar o desconforto durante o transporte. Os veículos de Paudalho, por exemplo, têm capacidade para 30 passageiros, mas os dois matinais chegam a levar 50, segundo os usuários.

Ricardo Fernandes/DP

Nas segundas e sextas-feiras as condições ficam ainda piores, pois quem passa a semana no Recife aproveita as viagens e lota ainda mais o veículo. “Os ônibus estão sempre muito cheios. Já vivenciamos situações em que sentimos medo de acontecer um acidente. Quando chegamos nas imediações da UFPE ainda tinham cerca de 40 pessoas pra subir, mas o corredor já estava cheio”, denuncia Daisy Freitas, de Paudalho, estudante de especialização na Faculdade Estácio. Problema semelhante ocorria nos ônibus disponibilizados em Carpina, o que motivou uma revisão dos parâmetros de acesso ao serviço. “A Prefeitura adotou algumas medidas burocráticas para resolver os problemas de lotação, mas, na minha opinião, criou outro. Por não aumentar a frota de ônibus suficientemente, eles limitaram o número de carteirinhas de acesso ao transporte, impedindo os estudos de algumas pessoas”, opina Thiago Vinícius Lira, estudante da UPE.

A prefeitura de Carpina, argumentou contra as denúncias afirmando que os ônibus para estudantes do Ensino Superior não é uma obrigação deles, é uma concessão, visto que o único compromisso da prefeitura é com o Ensino Fundamental. “Fazemos a locomoção de nossos alunos dentro do município e ainda entramos com essa ajuda aos universitários. A denúncia de superlotação, em especial às sextas-feiras, não procede de forma plena. Temos 12 veículos fazendo o transporte de 1.897 estudantes do ensino superior, sendo 1.544 para o Recife, 195 para Nazaré da Mata, 72 para Limoeiro, 60 para Vitória e 26 para Timbaúba. Daí você tira o tamanho da tarefa. Nunca a demanda será equilibrada com a oferta e nunca haverá satisfação total”, declarou a secretária de educação de Carpina, a Professora Milca Maria da Silva.

 

 

 

 

 

 

 

Ricardo Fernandes/DP

O município de Paudalho reforçou a existência da concessão e pontuou que não há previsão de que o cenário mude no curto prazo. “A disponibilização dos ônibus são uma ajuda voluntária da cidade, que não tem obrigação de fazê-lo. Infelizmente, por não termos recursos suficientes, não podemos mais aumentar o número de veículos. Chegamos no limite”, defende o prefeito de Paudalho, Marcelo Fux. Em nome da conclusão dos estudos, resta aos estudantes manter em mente o sonhado bom futuro profissional.

Dificuldade mesmo entre os que optam por transporte privado
Para os que não querem enfrentar desconforto, já que os ônibus municipais não têm ar-condicionado e normalmente estão cheios, existe a possibilidade do transporte por vans privadas.

Luís Francisco Prates, estudante da Universidade Católica de Pernambuco, vem de Limoeiro para Recife para estudar desde 2014 e utiliza uma van particular como meio de transporte. “Eu prefiro o transporte privado, apesar de ser mais caro, pois ele me oferece conforto e uma maior economia de tempo“, comenta. Gerlane Santana é estudante da Uninassau, vive em Carpina, vem ao Recife de transporte privado e reforça a importância de buscar realizações acadêmicas. “O desafio diário é grande, mas é necessário. Minha família se orgulha de mim e me dá todo o incentivo. Conseguir uma formação profissional é algo que eu quero conquistar e se não houver sacrifícios não chegarei lá”, comentou. Em média, a mensalidade para ser conduzido numa van é de cerca de R$ 300.

Os percursos duram em média 1h30, portanto, leva-se cerca de 3h por dia para viagens de ida e volta. A distância do Recife é relevante. Até Paudalho são 60km, Limoeiro, 87km e Carpina, 56km. Mas enquanto os ônibus, em tese, transportam até 30 passageiros, no caso das vans, o limite é de até 16 estudantes. Todos os dias, aproximadamente 100 deles, dos três municípios, pegam a estrada nas vans de Patrício Melo, 34, que os conduz junto a três amigos motoristas. “O desgaste do deslocamento é um desafio encarado pelos alunos, que fazem muitos sacrifícios para estudar. Além disso, como a van não é um transporte público, muitos dos meus clientes, precisam se dedicar bastante para conseguir pagar a mensalidade chegando às vezes a tirar dinheiro de outras coisas importantes, até mesmo de um prato de comida, para conseguir realizar o pagamento. Eu os admiro”, pontua.

Laís Leon

Laís Leon

Repórter

Laís é estudante de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco e escreve para o Diario desde 2016, passando pela editoria de redes sociais antes de integrar a equipe do CuriosaMente.

Ricardo Fernandes

Ricardo Fernandes

Fotógrafo