Homem da meia-noite: há 84 anos, o ser mais pontual de Pernambuco

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Visual do calunga mais famoso do estado muda a cada desfile e, este ano, homenageia as mulheres

 

Há algo de diferente num homem de quatro metros de altura e sorriso perene. Há quem diga que tenha a ver com seu nascimento, no dia de Iemanjá, 2 de fevereiro. Outros, resumem como nele havendo toda a energia do carnaval, que, de tão represada, transborda pelos canteiros dos olhos de “homens feitos” e de mulheres devotas, enquanto crianças, pouco entendidas sobre tudo ao redor, choram junto. Carnaval tem um quê de gritos, marchas e saltos, mas, todos os anos, vai uma multidão atrás do Homem da meia-noite, até quem não ouve sequer um clarim. Uma romaria folclórica pelas ladeiras de uma Olinda abraçada pelas sombras de sua mais elegante madrugada.

O teor místico do calunga mais famoso do país é marcado por uma série de coincidências. Sua sede social fica de frente à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e seu presidente anterior nasceu e morreu no Dia da Consciência Negra, abrindo espaço para o próprio filho, Luiz Adolpho de Silva. “Eu não gostava de multidão. Não vivia intensamente o bloco. Nunca tinha saído com meu pai enquanto ele esteve à frente e, no entanto, há algo que puxa a pessoa. Não sei explicar”, afirma. Só não participa do ritual de fim de tarde, horas antes do desfile, porque não bebe – deixa passar o brinde de cachaça, mas marca presença no banho de perfume – alguns dos poucos traços revelados da tradição, exclusiva para homens, diretores e participantes tradicionais do bloco, de 84 anos.

A cada ano, uma nova vestimenta é confeccionada para o Homem da meia-noite. Em 2016, será a vez das mulheres da Gigantes do Samba finalizarem seus tons em rosa e verde, no ano em que o tema do desfile será “Essas e tantas mulheres”.

Entre as homenageadas, estão a pentatleta Yane Marques, a cantora Nádia Maia e a filha de um dos fundadores do bloco Benedito Bernardino, Irene Bernardino.

Por quase 40 anos, a função cabia ao Alfaiate Brasil, considerado o eterno responsável pela vestimenta do calunga. Desde seu falecimento, oficialmente, as primeiras mulheres foram convidadas a lidar com suas vestes.

Pedro Garrido, 56, é o carregador oficial do calunga há 27 anos. Conta com dois ajudantes, com quem reveza os quase 50 kg.

altura do calunga

peso (fibra de vidro e madeira)

data de confecção da cabeça e do tronco

Uma das designers do Homem da meia-noite se diz também sua noiva. No ano da Copa, em 2014, a artista plástica Tereza Costa Rêgo emprestou seus dons para vestir a figura por quem se diz apaixonada. Encheu-lhe de tatus, tal qual o mascote da Copa, e abriu a porta de casa durante jantar que promove para esperá-lo passar. “Meu marido morreu e, numa noite, ouvi uns clarins. Abri a janela e era ele. Fiquei encantada. Não sei o que é isso. As mãos gelam. Vesti-lo é uma honra, é como vestir um namorado”, resume a pintora que já o colocou em tantos quadros que sequer consegue relembrar quantos.

Este ano, o roteiro do bloco será alterado. Mais curto, não terminará mais no Cariri, mas passa pelos principais pontos de sempre. Com menos de 30 anos, ele, que desde 1932 nunca perdeu uma abertura de madrugada, volta a ser homem de rua. Dança, encanta, inspira e deixa enamoradas por onde passa – amor de carnaval que mexe e dura mais que a folia…

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Apenas homens participam dos ritos pré-desfiles e há até bem pouco tempo apenas eles poderiam tocar a calunga.

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O Homem da meia-noite foi declarado como Patrimônio vivo de Pernambuco no ano de 2006.

Percurso 2016

Arte/DP

Homem da meia-noite de inúmeros carnavais