A histórica relação do pernambucano com o mar

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Os banhos de mar começaram a ser utilizados com função terapêutica durante a década de 20. Ao longo dos anos, muito dessa relação mudou

 

Pernambuco tem 187 km de extensão litorânea e quase 4 milhões de moradores apenas na Região Metropolitana do Recife (RMR), marcada por várias praias. A relação dos habitantes variou com o tempo e, se hoje impera o comércio, as menções a tubarões ou sonhos de consumo de moradia, o banho de mar já foi considerado terapêutico e points como Boa Viagem viveram picos de atração de surfistas. É essa mudança ao longo das décadas que norteia o livro As praias e os dias – História social das praias do Recife e Olinda, da pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, Rita de Cássia Araújo, que lembra o espaço público como uma formação que envolve formado por todo tipo de pessoas, independentemente de idade ou classe social.

Segundo o estudo, levantado a partir de jornais a partir do final do século 19, até 1914, a questão do litoral estava praticamente invisível nas notícias. A primeira aproximação do pernambucano com o banho de mar não era lúdico, mas medicinal. “Já existia na Europa, mas na década de 1920 começou-se a descobrir toda a profilaxia do banho de mar no Brasil; ela começa com um discurso medicinal e coincide com a infraestrutura das cidades, que vão crescendo e inviabilizando os banhos de rio”, explica Rita.

É nas décadas de 1930 e 1940 que a praia e o mar passam a ganhar destaque na imprensa, o que acabou motivando a própria pesquisa, bem como as decisões de vida das gerações seguintes. Dona Lúcia Rego Barros, 85, foi uma das pessoas influenciadas por essa nova relevância do litoral. Após indicação médica, depois de uma neurite (inflamação em nervos), decidiu mudar-se do bairro da Encruzilhada, Zona Norte do Recife, para Bairro Novo (na época, chamado de Loteamento Rio Tapado), em Olinda, no início dos anos 1960. “O médico disse que era bom eu tomar banho de mar (para tratar a neurite). Quando cheguei aqui não tinha nada. A praia era um coqueiral lindo com um areial e a beira do mar.”, lembra. Mais de 50 anos, oito filhos e 16 netos depois, a senhora continua na mesma casa, mas os coqueirais deram lugar a uma mata de prédios.

Banhistas em praia de Olinda, 1920 / HM - Fundação Joaquim Nabuco
Praia de Bairro Novo, Olinda, década de 60 / Lúcia do Rego Barros

Entre os esportes que ganharam espaço na época, o surfe se destacava. “A gente começou a surfar em 1968, perto do Clube Snipe, que existe até hoje em Candeias”, recorda Reginaldo Galvão, 58. A paixão pelo mar começou ainda quando criança e guiou toda a vida do fotógrafo. Hoje, ele trabalha registrando competições no Nordeste e alimenta uma revista sobre o tema. “Novas gerações foram formadas, todas elas criadas em Boa Viagem, Piedade e Olinda. O surfe foi evoluindo. Crianças surfavam e a população (surfista) foi crescendo até explodir na década de 1980”, conta. O primeiro ataque de tubarão registrado, em 1992, no entanto, começou a mudar a realidade dos surfistas.

“Foi uma frase bem dramática, existiam muitas lojas, fábricas de prancha, os pais começaram a rejeitar o surf, a gente viu tudo desmoronar por causa do tubarão”, lembra. Filho de Reginaldo, o oceanógrafo Daniel Galvão continuou o legado da família no surfe, mas teve que trocar a Praia de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes por outras mais distantes. “Eu tinha um amigo mais velho que tinha sido atacado. Eu surfava normalmente, mas em 2002, eu vi um ataque de outro amigo, aí parei de surfar em Piedade. Ele sobreviveu, mas saiu do mar sem o braço direito”, lembra.

Uma relação que não sai de moda

 

A ocupação da praia pode ter mudado ao longo do tempo, mas continua no centro da atenção dos moradores do litoral pernambucano. “O som do mar me traz muita tranquilidade”, afirma a estudante Priscila Temudo, de 24 anos. Aficionada em competições de surfe no Litoral Sul do estado, ela considera sua relação com o mar quase como sagrada e mesmo sem banhar-se nas praias urbanas da cidade, visita a orla de Piedade com frequência.

Apesar de os banhos de mar não serem receitados por médicos da mesma forma que eram nas décadas passadas, ainda há quem os utilize como um tratamento terapêutico hoje em dia. A empreendedora social Daniela Rorato vai à praia com o filho, Augusto, 18, em dias alternados e conta com a energia da água salgada para acalmar alguns dos sintomas do autismo e da síndrome de down do adolescente. “O mar comporta as necessidades sensoriais de Augusto. Ele é muito ansioso, tem TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), e quando vai à praia fica calmo e tranquilo o resto do dia”, explica Daniela.

Ainda que haja ressalvas com os longos banhos de mar, a orla das praias urbanas da RMR continuam populares, cedendo espaços para longas caminhadas, encontro de amigos e, mesmo sem longos banhos de mar, destinos de fim de semana. “Você muda a forma de usar a praia. Não necessariamente precisa estar dentro do mar. Toda a linha d’água está supervalorizada.”, lembra a pesquisadora Rita de Cássia Araújo.

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Lorena é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco

Malu Cavalcanti

Malu Cavalcanti

Fotógrafa