Dona Erotides, a mulher do leão de estimação de Aldeia

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Por 8 anos, ela tinha um leão dentro de casa, tão filho quanto seus filhos. Os vizinhos de Camaragibe, onde vive até hoje, admiravam e temiam Charles, o rei

 

Corre-corre e gritos de desespero, no maior estilo “salve-se quem puder”. Um leão entrava pela porta da frente da agência do Banco do Brasil no centro de Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife. Era o final dos anos 80 e o bichano tinha nome e pedigree. Ao seu lado, Erotides Ferreira de Lima conduzia a coleira como quem exibia um poodle de tosa excêntrica. “Era brincadeira. Fui resolver algo no banco e aproveitei para falar com o gerente, amigo da família. Saber se ele não queria um ‘segurança’ da melhor espécie”, se diverte a moradora de Aldeia, hoje com 66 anos e nenhum animal de estimação.

Charles é o motivo pelo qual a mulher revira os álbuns de fotografias já amareladas. É quando os sorrisos discretos, de quem relembra a própria história de momentos agridoces, cedem espaço a gargalhadas. Lembra de rolar na grama junto ao “pequeno”, em brincadeiras desastradas que, volta e meia, resultavam na quebra de um móvel ou mesmo em alguns hematomas – marcas de “amor”. Charles era seu príncipe – mais relevante que aquele “televisivo” para inglês ver.

O felino passou a fazer parte da família em 1983, quando um comerciante da feira livre da cidade ofereceu o então filhote à mulher, já conhecida na região pela paixão por animais. Repleto de árvores frutíferas, o sítio de Erotides era rota de saguis, araras, tatus e tejus, que sempre encontravam grãos e pedaços cortados de frutas, deixados propositalmente junto às plantas. Aos poucos, o lugar foi virando um zoológico particular e virou ponto certo de fiscalização do Ibama. “Eles empre vinham, mas viam que os animais eram bem tratados. Charles cresceu dentro de casa. Dócil, ficava em cima do sofá e circulava pela casa, junto a meus filhos pequenos. Comia frango cozido, sem sangue”, conta.

Depois de duas dezenas de vasos, porta-retratos e pequenos utensílios quebrados dentro da residência, o bicho, com quase dois metros de comprimento, foi movido para uma jaula no quintal. Ali cresceu e pregou peças em quem insistia em ignorar os avisos de “Cuidado! Leão feroz”. Nunca fez vítimas, nem deixou de viver aventuras como uma ou outra “volta” pelo centro da cidade junto à dona. Somente após dois pulos do muro do sítio, inúmeras “derrubadas” de visitantes em brincadeiras “carinhosas” e muita escalada de árvores, Charles se viu envelhecer. Acostumado com comida tratada e higienização artificial, o organismo de rei da selva se fez tão frágil quanto o de um gato de madame e cedeu à ação de uma simples bactéria, que lhe tomara o estômago. A infecção, enfim, foi mais feroz que o príncipe de Dona Erotides.

Para sanar a perda, a pernambucana chegou a negociar um elefante, compra desfeita pouco antes do embarque do animal, de Curitiba. “Era mais para consolar mesmo. Nunca fiquei tão triste. Ele era um filho, de verdade. Perdi o gosto por criar bicho de qualquer espécie”, lamenta. De lá para cá, rejeitou ofertas e presentes: de tucano a jacaré. Dos momentos de rainha de zoológico, sobraram fotos – na maior parte delas, de sorrisos flagrados enquanto recebia abraços fartos do “príncipe Charles”. E uma outra da onça Diana. Mas essa já é outra história…

Ed Wanderley

Ed Wanderley

Repórter multimídia

Ed escreve para o Diario desde 2010. Escreveu esta crônica para o Diario de Pernambuco, onde ela foi originalmente publicada em 2014. Já teve uma cadela husky siberiana, Sakura, mas confessa já ter tido vontade de criar uma jaguatirica.