Carinho pode ser chave para melhorar educação

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Pesquisa de universidade nordestina trabalha em melhorar vínculo de crianças pobres com mães para potencializar capacidade de aprendizado antes da idade escolar

 

Até completarem o terceiro ano de vida, crianças de classe social elevada escutam e assimilam 30 milhões de palavras as de famílias mais pobres. É como se, ininterruptamente, dialogassem com os pais por cinco meses e meio a mais, enquanto as pares mais humildes passassem o mesmo semestre “em silêncio”. O impacto é conhecido e sentido na realidade das salas de aula. Como as palavras enriquecem a capacidade cognitiva dos pequenos, os privilegiados chegam à idade escolar dezenas de passos à frente, com quase 500 palavras a mais no vocabulário. É só o início de todo um cenário de desigualdade que se desenha no país. Essa é uma das conclusões que motivam uma pesquisa conduzida no Nordeste para acompanhar como o impacto do afeto e da comunicação entre mãe e filhos podem ajudar a definir o desenvolvimento e trajetória educacional infantis.

A constatação do vale no vocabulário que separa crianças com tão pouca idade foi feita pela Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, mas pode ser trazida para o Brasil: aqui, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), mostra que crianças das camadas socioeconômicas mais baixas chegam a ter a metade do conhecimento adequado em leitura e escrita de que as das camadas mais ricas, abismo três vezes maior quando tratamos de outras disciplinas, como a matemática. No Nordeste, a discrepância no aprendizado era ainda maior, com metade do desempenho adequado em leitura e escrita em relação à Região Sul. Uma problemática que tende a aumentar e, consequentemente, ficar cada vez mais cara para o bolso do contribuinte. “Uma série de especialistas já comprovou que se você não fizer medidas de apoio e formação na primeira infância, vai custar muito mais caro e demandar muito mais tempo e investimento financeiro fazer depois”, explica Eduardo Queiroz, diretor-presidente da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

milhões de palavras deixam de ser ouvidas por uma criança pobre em comparação a uma criança rica até os 3 anos

palavras deixam de ser aprendidas por estas crianças em situação de vulnerabilidade até a mesma idade

em cada três palavras faladas para crianças mais pobres eram de desencorajamento

“Você já abraçou seu filho hoje? Já correu com ele na rua?”. Duas vezes por semana perguntas do tipo são enviadas para mães de classe baixa com crianças de até três anos na Região Metropolitana de Fortaleza, no Ceará. Visitadas semanalmente por especialistas da Universidade Federal do Ceará (UFC), as mulheres recebem incentivos e aprendem a como conversar e até mesmo ler histórias para seus filhos, mesmo que sejam analfabetas.

O experimento, batizado como Formação de vínculo na adversidade: para uma infância melhor, tem vínculo com uma das principais descobertas da Universidade de Chicago: na análise norte-americana, o teor das conversas entre pais e filhos mostrou que em uma família de “classe A”, para cada seis palavras positivas e de encorajamento que os pais falavam, uma era negativa; em uma família “mediana”, a proporção ia para duas positivas em relação a uma desencorajadora. Já na família mais pobre, cujos pais não tinham emprego e viviam de benefícios sociais, esse número se invertia: para cada palavra positiva, duas negativas eram emitidas.

Os primeiros resultados do incentivo ao elogio foram divulgados no VII Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância. “Não fazemos isso para a criança ter um desenvolvimento específico, não é como se a ela fosse ficar mais ágil para pegar brinquedos ou fazer outras coisas, fazemos porque a mente dela será exercitada para receber uma carga de informações positivas”, explica a coordenadora da pesquisa, a pró-reitora de extensão Márcia Machado. “É muito raro que pai e mãe não queiram cuidar do seu filho. O problema é que às vezes eles não sabem como fazer isso”, completa. Os próximos passos do projeto, agora, são levar o envolvimento com a criança para outros parentes, como pais e tios, e capacitar outros profissionais para disseminar esta cultura no resto do país.

À esquerda, é possível ver o primeiro e o sexto registro das brincadeiras entre uma criança e a mãe. Os vídeos eram gravados e, nas reuniões seguintes, mostrados às mulheres com dicas dadas pelos tutores sobre o que poderia ser aprimorado naquele contato. Para a pesquisadora Márcia Machado, além de melhorar a comunicação e estreitar relação entre as duas, uma outra mudança a ser observada nos encontros é a forma como a mulher passa a se importar com a própria representação nas imagens.

Vínculo entre pais e filhos motivaram projetos em todo o país

 

Para a diretora do Centro de Excelência e Formação em Políticas Públicas Educacionais, Cláudia Constin, a integração da criança com os pais é um dos elementos que poderiam ser mais explorados na Base Nacional Comum Curricular, documento que define aprendizagens essenciais nas escolas brasileiras. “Eles mencionam essa relação na introdução, mas na hora em que a base é detalhada não fazem nenhuma referência. Quando a gente fala em base de educação infantil a gente deveria pensar em uma escola para pais ou em alguma atividade que os envolvesse”, comenta.

Em Pernambuco, um programa citado por especialistas como exemplo para vínculo da mãe com os filhos é o Mãe Coruja, criado há dez anos. Com o intuito de reduzir a mortalidade infantil, mulheres atendidas pelo Serviço Único de Saúde (SUS) são acompanhadas desde o período gestacional até o quinto ano de vida da criança, recebendo dicas e capacitações. No Rio de Janeiro, um protótipo de escola para pais funcionou por cerca de cinco anos, dando aulas uma vez por mês para pais com filhos na creche e três vezes para pais sem filhos na creche. Todos recebiam um bônus no Bolsa Família. “Ali eram trabalhadas saúde e nutrição do bebê, estimulação precoce, leitura e formação de vínculos familiares”, conclui Cláudia. Hoje, o projeto encontra-se desativado permanentemente.

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Lorena é jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Integra a equipe do CuriosaMente desde maio de 2016.