Capoeira gospel ganha adeptos e causa revolta em movimentos negros

BBC/Reprodução

Antigos mestres de capoeira se converteram ao evangelismo e o resultado foi a criação da capoeira gospel como mais uma ferramenta para levar a Palavra de Deus. Só que por meio do gingado da dança original dos africanos que foram escravizados e traficados para o Brasil. Os adeptos, que vêm aumentando, trocam os ternos e as gravatas pelo uniforme branco.

No início, a prática enfrentou resistência dentro das igrejas. Afinal, é uma dança que mistura artes marciais que conversam com o sincretismo das religiões afro. No entanto, para conquistar mais seguidores, a igreja viu na prática uma forma eficiente de evangelizar. O mestre e líder do movimento Capoeiristas de Cristo, Suíno, calcula que já existam 30 “ministérios” de capoeira ligados à igreja.

Ele, que é praticante há 40 anos e convertido há 25, estima reunir cerca de 5 mil pessoas no País. Só em Goiânia, por exemplo, realiza encontros nacionais há 13 anos. “Há um cuidado para não chocar com as visões da igreja. Cuidado com a roupa, com o linguajar, com as músicas, mas que ‘não necessariamente tem que ser só música que fala de evangelho, de Deus'”, explicou em entrevista concedida à BBC.

No entanto, a concepção sofre severas críticas de capoeiristas tradicionais e do movimento negro. Eles reclamam que essas rodas pregam discursos de “demonização” contra a capoeira tradicional e as religiões do candomblé e da umbanda. Inclusive, o Colegiado Setorial de Cultura Afro-brasileira – que faz parte do Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura -, chegou a divulgar uma carta de repúdio à “capoeira gospel e à expropriação das expressões culturais afro-brasileiras”.

O organizador do evento na Paraíba, Ricardo Cerqueira, recebeu – além de criticas – ameaças de processo. Ele argumenta que a capoeira não pertence à cultura africana. “O país é laico. Acho que cada um tem liberdade para fazer a sua capoeira da forma que quiser”, defendeu. “Colocamos o nome gospel sem intenção de descaracterizar a capoeira, até porque nós usamos todos os instrumentos e cantamos também música secular”, acrescentou.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no entanto, reconhece em documento que a capoeira tem ligação com práticas ancestrais africanas. Mas a antropóloga do órgão, Maria Paula Adinolfi, afirma que não é possível impedir a prática da capoeira gospel. “O Iphan está focado em fortalecer ações que vinculam a capoeira à matriz africana como uma política de reparação do processo de apagamento da memória afro-brasileira e de genocídio do povo negro”, garantiu.

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