Cachaça: patrimônio pernambucano é o 3° destilado mais consumido do mundo
Terceiro destilado mais consumido no mundo – e segunda do Brasil – a cachaça é, desde 2008, Patrimônio Cultural e Imaterial de Pernambuco, segundo estado que mais produz, exporta e consome a bebida
Ela está presente em inúmeras marchinhas de carnaval e, claro, no imaginário popular. As composições fazem referência à bebida genuinamente tupiniquim que ganhou forma e dimensão junto à história do Brasil, a cachaça. Atualmente, o destilado é o segundo em consumo no Brasil (e terceiro do mundo) e Pernambuco se destaca na produção e no consumo da bebida, ficando atrás apenas de São Paulo. No que diz respeito ao contexto nacional, são 1,2 bilhão de litros de cachaça preparados anualmente em um total de 4 mil rótulos diferentes – uma tradição que, nem de longe, surgiu por acaso.
“Você pensa que cachaça é água?”
A cachaça é brasileira, mas há registros de bebidas semelhantes, em outros países, muito antes da descoberta da iguaria nacional. “Um dos mais antigos é por volta do século 14 – uma versão, espanhola, um pouco inferior, que mistura raízes de plantas e álcool. Por isso, ela ficou conhecida como bagaceira”, explica o historiador e especialista em patrimônio material e imaterial do Brasil, Fernando Guerra. A água que passarinho não bebe, como conhecemos no Brasil, só foi descoberta por acaso, por homens escravizados, no ano de 530. Eles trabalhavam na moagem da cana, para produzir açúcar, quando o caldo acabou fermentando e eles resolveram experimentar o líquido que, na teoria, tinha dado errado.
A produção do açúcar que acabou resultando na receita da cachaça consistia em colher a cana-de-açúcar, moer e cozer o líquido obtido até ficar mais denso e grosso. Com a descoberta da cachaça, o líquido passou a chamar-se “cagacia”. Segundo Guerra, a descoberta ainda tem outra versão: “os escravos misturavam melaço velho e fermentado com um fabricado no dia seguinte. Essa mistura acabou fazendo com que o melaço velho evaporasse e o álcool, presente na bebida, fosse para o teto da moita, local onde produziam o açúcar”. Aliás, no processo, também surgiram nomes populares da bebida: “Eles começaram a beber as gotas que caíam do teto, por isso, começaram a chamá-la de pinga”, conta. Aguardente, por sua vez, surgiu no pós-açoite dos escravizados, porque essas mesmas gotículas se precipitavam e atingiam a pele ferida, causando ardência.
“Só não quero que me falte a danada da cachaça”
A cachaça foi oficialmente para a Casa-grande em 13 de setembro de 1661, quando teve sua venda legalizada e regulamentada no país. Depois disso, caiu no gosto dos brasileiros e foi eleita a bebida oficial da semana de arte moderna de 1922, que pregava a valorização da cultura brasileira e a quebra dos padrões da época.
Desde então, foi industrializada e teve fabricação dividida em três processos: moagem, fermentação e destilação do caldo. A primeira etapa consiste na extração do caldo da cana, no processo de esmagamento. Ele é coado, porque vem com pedaços de bagaço, e decantado para ficar o mais puro possível. Na fermentação, o líquido é colocado em recipientes de chapa de aço e recebe as leveduras e fungos responsáveis pelos açúcares para que o álcool passe pelo processo, que dura aproximadamente 24 horas. Por fim, a destilação é realizada no alambique de cobre, em que o caldo é fervido e seu vapor, condensado na forma da cachaça.
De acordo com a Associação de Pernambucana de Produtores de Aguardente de Cana e Rapadura, o estado produz 100 milhões de litros anuais a partir do extrato da cana-de-açúcar, incluindo a cachaça, o açúcar-mascavo e a rapadura. Um dos produtores mais conhecidos de cachaça do tipo prime no estado é a Carvalheira, que, na verdade altera a bebida bruta importada do interior de Pernambuco e acrescenta variações de aroma e sabor ou a põe para envelhecer, de forma a adquirir a qualidade pela qual é conhecida.
Apenas em 2015, foram 200 mil litros vendidos. “O principal comprador de nossos produtos era o próprio estado, mas conseguimos expandir para o nível nacional – em especial, nas regiões Sul e Sudeste – através de grandes redes como a Walmart”, explica a gerente de planejamento Nayrce Carvalho.
Maiores produtores
Maiores consumidores
O mercado da cana
O ex-“museu maior do mundo”
José Moura, 63, não bebe cachaça. Na verdade, sequer gosta de bebida alcoólica. E, no entanto, possui uma coleção de 13.296 cachaças, que jura nunca ter provado nenhuma. O acervo virou museu, dedicado ao patrimônio cultural pernambucano e localizado no coração de Lagoa do Carro, no Agreste do estado. O Museu da Cachaça foi concebido em 1986 e chegou a ser reconhecido pelo Guinness Book – o Livro do Recordes – como o maior do gênero em todo o mundo, no ano de 1999. O título já se foi, mas a paixão pelos rótulos, não.
“Eu admiro a cultura impressa nos rótulos das cachaças. É como se fosse um álbum, cada garrafa nova, é uma nova figurinha”, conta José. “Tem rótulos antigos que foram desenhados a mão. Além disso, cada produto costuma identificar o seu local de origem, fazendo referência à família produtora, à fazenda onde foi criada ou à cidade”, reitera. Outro ponto que lhe chama a atenção é o nome escolhido para a bebida. “Tem uma cachaça chamada Birita, que é um termo popular usado para denominar a própria cachaça”, explica.
A criação do Museu foi o jeito que Moura, como é conhecido na cidade, encontrou de preservar sua coleção. “Notei, com o passar dos anos, que as pessoas vão morrendo e, muitas vezes, as famílias acabam se desfazendo das coleções. Criar o museu foi a saída que eu encontrei para preservar a minha”. A coleção de Seu José foi superada pela do mineiro Messias Soares Cavalcante, reconhecido como o maior acervo da bebida em 2009 por seus resgates desde 1988, mas o pernambucano já se prepara para a briga: “Vou pedir a verificação do Guinness quando possuir uma diferença considerável das unidades de cachaça registradas pelo atual detentor do título.”
Para quem quiser visitar o Museu da Cachaça, além das relíquias expostas, eles também fabricam sua própria cachaça, com um rótulo que homenageia o museu, e possuem um estoque com diferentes marcas para que os visitantes possam degustar. O Museu da Cachaça abre todos os dias da semana das 9h às 17h.
Mayra Couto
Repórter
Paulo Paiva
Fotógrafo e videografista
Peu Ricardo
Fotógrafo e videografista
Peu também faz parte da equipe do Diario, desde 2015. Cachaça? Nem se fala…