As menores ruas “em linha reta”…

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Levantamento revela a antítese da megalomania recifense e traz as 20 ruas de menor extensão na capital pernambucana e o que isso diz sobre a cidade

 

Na cidade da “maior avenida em linha reta da América Latina”, centenas de ruas não passam dos 20 metros de extensão. A mania de grandeza coletiva gera uma desatenção, por exemplo, para a menor delas, com pouco mais de dez metros, nome de flor e um pé num estilo de vida do passado. Sem sequer uma placa, no bairro de San Martin, Zona Oeste do Recife, a Rua do Lírio é, de acordo com a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano, a menor via da capital pernambucana.

São 16 passos entre as duas esquinas. Numa delas, o esgoto a céu aberto não impede as crianças de brincarem em meio a outros “transeuntes”, como galinha, cães e gatos. De um lado da rua, cinco residências (duas delas com primeiro andar), do outro, uma praça improvisada (tão pequena quanto a via). Tudo separado por menos de 2,5 metros.

Numa dessas casas, famílias coexistem. No térreo, onde é inquilina há um ano, Dayana Jéssica assiste à TV, na sala de casa, com a porta aberta, costume quase perdido na “cidade grande”. No primeiro andar, quem vive é o dono do imóvel, Pedro Ramos, há 15 anos.

O arrumador do porto lembra que as residências da rua – e das que a rodeiam – são frutos de ocupações. “Era tudo ocupado, a Prefeitura chegou depois e regularizou – até para ter o endereço, oficializar a rua”.

No ranking das 20 menores ruas do Recife, Brasília Teimosa e Cohab, na Zona Sul, e Engenho do Meio, na Zona Oeste, são os bairros com maior número de vias – cada um com três ruas que precisam de algumas dezenas de passos para serem percorridas. Pequenas ao ponto de acabarem se perdendo no próprio bairro.

Rua do Lírio Foto: Shilton Araújo/Esp.DP

As 20 menores ruas do Recife

Rua do Lírio

Rua do Lírio
Extensão: 10,43 m
Bairro: San Martin
Significado: Flor normalmente associada à pureza e a inocência.

Rua Paranhos

Rua do Lírio
Extensão: 10,43 m
Bairro: San Martin
Significado: Flor normalmente associada à pureza e a inocência.

Rua Palmeirinha

Rua Palmeirinha
Extensão: 11,63 m
Bairro: Sancho
Significado do nome: Um tipo de planta comum na região do cerrado brasileiro

Rua Paranaíba

Rua Paranaíba
Extensão: 12,37 m
Bairro: Água Fria
Significado do nome: Rio que nasce no estado de Minas Gerais, um dos formadores do Rio Paraná

Rua Itaguara

Rua Itaguara
Extensão: 13,13 m
Bairro: Engenho do Meio
significado do nome: Município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais

Rua Sabu

*Rua Sabu
Extensão: 13,70 m
Bairro: Várzea
Significado do nome: Não foi possível encontrar nos arquivos da Câmara do Recife o projeto de lei para confirmação do significado do nome. É possível apontar, porém, que Sabu é o nome de um faraó egípcio, da primeira dinastia. E também de um idioma malaio-polinésio falado na ilha de Savu, na Indonésia

Rua Jaborá

Rua Jaborá
Extensão: 14,39 m
Bairro: Engenho do Meio
Significado do nome: Município localizado na região Meio-Oeste do estado de Santa Catarina

Rua Araporé

Rua Araporé
Extensão: 15,24 m
Bairro: Casa Amarela
Significado do nome: Serra localizada no estado de Mato Grosso, onde nasce o Rio Paraguai

Rua Atiaçu

Rua Atiaçu
Extensão: 15,39 m
Bairro: Engenho do Meio
Significado do nome: Escrito como Ati-Açu é um distrito do município gaúcho de Sarandi

Rua Grande Otelo

Rua Grande Otelo
Extensão: 15,91 m
Bairro: Barro
Significado do nome: Nome artístico do ator e cantor mineiro Sebastião Bernardes de Souza Prata

Rua Pirapozinho

Rua Pirapozinho
Extensão: 16,15 m
Bairro: Curado
Significado do nome: Vem do idioma Guarani e significa rio de peixe pequeno

Rua Paranapoema

Rua Paranapoema
Extensão: 16,19 m
Bairro: Sancho
Significado do nome: Pequeno município localizado no estado do Paraná

Rua Bitupitá

Rua Bitupitá
Extensão: 16,52 m
Bairro: Brejo da Guabiraba
Significado do nome: Praia do estado do Ceará. O nome vem do tupi e significa “pancadas de ventos fortes em dunas que se movem”

Rua Nossa Senhora de Fátima

Rua Nossa Senhora de Fátima
Extensão: 17,12 m
Bairro: Sítio dos Pintos
Significado do nome: Designação da Virgem Maria que teria aparecido para três crianças em Portugal

Rua Canário

Rua Canário
Extensão: 17,17 m
Bairro: Cohab
Significado do nome: Pequeno pássaro, com origem nos Açores, em Portugal. Se tornou símbolo da Seleção Brasileira de Futebol

Rua Guti

Rua Guti
Extensão: 17,42 m
Bairro: Cohab
Significado do nome: Não foi possível encontrar nos arquivos da Câmara do Recife o projeto de lei para confirmação do significado do nome. É possível apontar, porém, que Guti foi o nome de uma tribo que vivia às margens do Rio Tigres, na Mesopotâmia, por volta do ano 3 mil antes de Cristo

Rua Mogeiro

Rua Mogeiro
Extensão: 17,89 m
Bairro: Brasília Teimosa
Significado do nome: Nome de um Riacho localizado na Paraíba, que dá nome ao município por onde passa

Rua Patativa

Rua Patativa
Extensão: 17,96 m
Bairro: Cohab
Significado do nome: Ave nordestina conhecida por seu belo canto

Rua João Marques dos Anjos

Rua João Marques dos Anjos
Extensão: 18,12 m
Bairro: Brasília Teimosa
Significado do nome: Não foi encontrado quem é João Marques dos Anjos. o que se sabe é que 80 residências localizadas na via fora desapropriadas em 2003 por conta do projeto da orla de Brasília Teimosa

Rua Caseara

Rua Caseara
Extensão: 18,34 m
Bairro: Nova Descoberta
Significado do nome: Nome de um município localizado no estado do Tocantins, famoso pelas praias do Rio Araguaia

No Engenho do Meio, a Rua Itaguara é um exemplo. Em uma das extremidades do que originalmente deveria ser um passeio público, há uma casa, de número 16. “Ali era uma rua, um beco, mas foi construída uma casa. Toda essa área aqui foi um terreno doado por Brennand e se transformou nessas ruas”, garante Jenival Gomes dos Santos, 81, vizinho da rua que virou casa há 35 anos.

Rua Itaguara Foto: Shilton Araújo/Esp.DP
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Largura mínima

A Lei Nº 16.286, de 1997, determina a largura mínima de diversos tipos de vias, como avenidas, artérias principais, artérias secundária, vias coletoras e vias locais, mas não de ruas convencionais. Ela aponta ainda que, para cada 50 metros além disso, a largura da via deve ser acrescentada em 0,50 metro. Ou seja, uma rua de 100 metros de extensão deve ter 3,5m de largura.

No Sancho, as ruas Palmeirinha e Paranapoema, respectivamente 3ª e 12ª entre as menores ruas do Recife, são praticamente paralelas no labirinto confuso do qual fazem parte, onde é impossível chegar de carro. A Palmeirinha tem módicos cinco passos de largura (cerca de 1,5 metro),  dividindo as dez residências que dela fazem parte. Largura acompanhada pela Paranapoema e suas sete casas. A diferença é que a segunda tem uma placa de identificação – pendurada num poste no meio de uma das esquinas, é verdade, mas, ainda assim, identificada. “Tudo isso aqui era uma invasão. Meu marido comprou esse terreno há 30 anos”, explica Josefa Félix, moradora da Paranapoema.

A professora da Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, Norma Lacerda, destaca que, em ocupações espontâneas, ou seja, instaladas em determinada área sem ordenamento do poder público, é comum a existência de vias fora dos padrões planejados. “Os loteamentos ocupados eram afastados da cidade em si e não há uma conexão entre eles. Por isso, em áreas ocupadas, normalmente, não há as mesmas características das áreas que já serviam de moradia na cidade”, explica.

Rua Palmeirinha Foto: Shilton Araújo
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Como são escolhidos os nomes das ruas

Para se batizar uma rua, é preciso que um vereador proponha um projeto de lei com o nome sugerido. Isso vale tanto para o batismo de vias, como para a troca de nomes. Para enviar o projeto à votação, é preciso que o vereador mande para a Câmara uma justificativa da razão da escolha do nome.
Rua Palmeirinha Foto: Shilton Araújo

Periferia ocupada

As áreas que compreendem as menores ruas do Recife têm, em comum, a característica de constituírem periferias. Não por coincidência. A existência de vias como essas é gerada não somente pela falta ordenamento, como também pela ausência de conexão urbana entre centro e subúrbios. Normalmente derivando de ocupações, muitas regiões posteriormente transformadas em bairros, cresceram em meio ao improviso.

A urbanista da UFPE Norma Lacerda destaca que as ocupações ocorreram com mais força nas décadas de 1970 e 1980, com a grande migração de pernambucanos do interior do estado para a capital. “A população veio e não tinha moradia, eles tinham que ocupar algum espaço”, resume.

De acordo com a doutora em Arquitetura pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, Ana Rita de Sá Carneiro, o que ocorre em bairros suburbanos são ocupações espontâneas, não planejadas pelo poder público.

Rua Paranapoema Foto: Shilton Araújo

“Elas são geradas pelo afastamento dessa população do ‘loteamento oficial da cidade’. A ocupação é feita sem ordenamento, por meio de um amontoado de casas que acabam consolidando o que era um aterro”, aponta.

Do ponto de vista histórico, a falta de um ordenamento urbano, remete aos tempos da ocupação holandesa em solo recifense, ressalta Ana Rita. “Maurício de Nassau, no século 17, realizou um plano diretor, mas, com o retorno dos portugueses, muito do planejado foi desmanchado”, aponta. Ela destaca que, desde então, pequenas ruas e becos passaram a ser comuns na capital pernambucana – inicialmente feitos somente para passagem, mas depois, transformados em locais com comércio e moradia.

“Isso foi sendo feito aos poucos, com traçado irregular. É algo muito presente nos Bairros de São José (próximo ao mercado) e no da Boa Vista”, conta.

Origem histórica sem perspectiva de mudança. Sem política fundiária, Norma Lacerda destaca que o “desordenamento” será algo contínuo. “De um lado, há a política habitacional, mas não política fundiária. Há demanda por terra, grupos como o MTST não existem por acaso”, ressalta.

Lais Telles/Esp DP/D.A Press.
João Vitor Pascoal

João Vitor Pascoal

Repórter

João Vitor é jornalista formado pela UFPE. Escreve para o Diario desde 2014, com passagem pela editoria de Política.

Shilton Araújo

Shilton Araújo

Fotógrafo

Shilton é estagiário de fotografia do Diario desde agosto de 2016.