As histórias ocultas dos animais do zoológico de Dois Irmãos

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Completando 100 anos em 2016, o Parque Dois Irmãos esconde perfis de animais com trajetórias de vida que sequer são imaginadas pelos visitantes

 

O zoológico de Dois Irmãos, espaço de 14 hectares dentro do parque homônimo na Zona Norte do Recife, completa 100 anos em 2016. Passando por reformulações para transformar o conceito de zoológico, que expõe animais em vitrines apenas para divertir o público, em um Bioparque, com espaços mistos para juntar espécies diferentes de um mesmo bioma e melhorar o bem-estar dos animais, o local é lar de mais de 600 bichos, todos incapacitados de voltar à natureza, alguns com um passado nem imaginado pelos visitantes.

 

Um rei traumatizado

Leo é dono do maior território do zoológico e um dos maiores da América Latina. O leão, de 16 anos, tem um espaço de vivência de 2,5 mil m², suficiente para caçar algumas presas vivas, como coelhos e galinhas que lhe são oferecidos, e dar cochilos (o animal tem hábitos noturnos e chega a dormir ⅔ do dia). Quem vê o bicho hoje, não imagina que ele chegou ao espaço após uma tragédia famosa na Região Metropolitana do Recife. Em 9 de abril de 2000, o animal, na época com poucos meses de idade, foi o único sobrevivente dos cinco leões do Circo Vostok.

Naquele dia, um leão adulto arrastou e matou uma criança durante o intervalo de uma apresentação circense no bairro de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. Na esperança de tentar recuperar os restos mortais do menino José Miguel Fonseca Júnior, de seis anos, os policiais mataram quatro leões, entre eles os pais de Leo, privados de alimentação há dias. Ainda no circo, o filhote teve todas as garras arrancadas, impossibilitado para sempre de voltar à vida selvagem. A situação foi tão impactante na vida do animal que até hoje Leo é traumatizado com fardas da Polícia Militar. “Ele fica muito inquieto quando vê alguém fardado”, explica o gerente do parque, George Rêgo Barros.

Hoje, ele ultrapassou a expectativa de vida de um animal da mesma espécie na natureza, de acordo com os funcionários, sem nunca ter apresentado um problema grave de saúde. “Ele não estaria vivo porque os leões têm uma posição de comando e quando vão envelhecendo, são substituídos por outros, ficando sozinhos na natureza”, lembra George.

Tiros sem escalas

A águia-chilena, também chamada de gavião pé-de-serra é natural do Agreste e Sertão do estado e chegou ao parque após ser atingida pelos tiros de chumbinho de um caçador. Com três grãos de chumbo alojados nas áreas de articulação de uma das asas, a ave, que, na natureza, voa do Brasil ao Chile para caçar, não consegue mais alcançar longas distâncias. “Essa é a maior ave de rapina de Pernambuco. Estamos em busca de uma fêmea para tentar reprodução”, explica o gerente, George Rêgo Barros.

A macaca que faz regime

Em cativeiro, os animais tendem a fazer menos exercícios e a ganhar mais peso. Esse é o caso da macaca-aranha-de-testa-branca Cristina, de 22 anos, que recebe atenção dobrada dos funcionários para manter a saúde e adequar-se à balança. Com 4 kg excedentes, ela chegou ao zoo em 1999, depois de uma apreensão do Ibama, e acabou de atingir a expectativa de vida de um macaco “livre”. Mantendo rotina diária de exercícios, que inclui de 10 a 15 voltas diárias na jaula, e com a alimentação controlada pelos zoólogos, Tina, como é chamada pelos cuidadores, não resiste a uma calórica uva-passa.

O mais idoso dos “meninos”

Com a inteligência de uma criança de três anos, o chipanzé Sena chegou ao zoológico há cerca de quatro décadas. Algumas informações sobre o passado do animal acabaram perdidas, mas estima-se que ele tenha 60 anos e seja um dos chimpanzés mais velhos de Pernambuco. O primata foi levado ao zoológico depois de apreendido em um circo e hoje é o animal mais velho em exposição. “Animais do circo geralmente são muito sofridos, aprendem truques à base de violência, de choques. Devemos ter muito respeito por eles”, explica a bióloga Alessandra Sá, uma das responsáveis pelos cuidados com o animal.

Adestrados para seu próprio bem

Algumas técnicas de condicionamento foram desenvolvidas pelos funcionários do parque para evitar a utilização de calmantes nos cuidados diários com os animais. O hipopótamo Pota, por exemplo, teve um sério problema dentário, mas, para evitar passar por um procedimento anestésico na realização de um canal, aprendeu a abrir a boca sempre que a bióloga Alessandra Sá dá o comando. Alguns meses depois, apenas com o uso de medicamentos tópicos, o problema foi curado. O mesmo aconteceu com o cervo Chuleta, transferido em 2010 do Parque Zoobotânico Getúlio Vargas, em Salvador. Todas as vezes que a profissional se aproxima da gaiola, ele já abaixa a cabeça. É que ela sempre tem que verificar possíveis ferimentos próximos à área dos chifres.

O bioparque que começa a sair do papel

Zoológico de Dois Irmãos / Divulgação

O Parque Dois Irmãos deverá mudar de cara em breve. Inicialmente previsto para a Copa do Mundo de 2014, as obras só tiveram início em 2016 e devem durar, no mínimo, mais quatro anos. A ideia é transformar o confinamento dos animais em estruturas que reproduzam os biomas naturais nos quais eles vivem, reproduzindo suas condições de vida na natureza. Dessa forma, cada visitante poderia aproximar-se dos bichos por meio de vidros ou escotilhas, sem interferir no ambiente e podendo conferir o modo de vida dos animais mais de perto.

Na prática, o projeto ainda está na primeira etapa, que consiste em reformar, ao longo de nove meses, o setor administrativo e a ala veterinária do parque. Justamente por isso, até o final de setembro, o espaço tem visitação restrita, de quinta a domingo. Nos demais dias, as equipes se dedicam à reforma e à construção de uma área de quarentena. A conclusão da primeira fase está prevista para o início de 2017. As primeiras mudanças já começam a tomar forma.

Os répteis do zoológico, por exemplo, saíram dos grandes fossos, que funcionavam como espécies de aquários, e já estão em redomas de vidro, em vez de gaiolas – proposta que deve ser utilizada nos demais animais do local. Além disso, as aves já dividem um espaço comum entre as espécies, divididas apenas por biomas.

A próxima etapa consiste na elaboração do projeto que deverá transformar o zoológico, de fato, em bioparque. Uma licitação deverá escolher a empresa responsável pela adequação. Entre as diretrizes, estão a ampliação dos espaços de convivência dos animais dos atuais

Parque Dois Irmãos em números

hectares de área (no zoológico)

É o número de funcionários

mil pessoas visitam o lugar anualmente

Animais vivem no local

Lorena Barros

Lorena Barros

Repórter

Lorena é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco

Karina Morais

Karina Morais

Fotógrafa

Karina compõe a equipe de fotografia do Diário de Pernambuco